|  Como forçar consensos sobre questões significativas da agenda global 
        entre grande número de países com interesses, visões e possibilidades 
        diferentes, e como conseguir que o que for decidido nos diversos âmbitos 
        institucionais internacionais seja aplicado à realidade, produzindo os 
        resultados esperados? Após a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 
        Copenhague (COP 15), em dezembro passado, ficou evidente que responder 
        a esta pergunta com ações é um dos desafios mais importantes que são propostos 
        à governabilidade global, especialmente levando-se em conta o contexto 
        atual de profundas mudanças nas relações de poder entre protagonistas 
        que são, ou aspiram ser, relevantes e líderes ativos no cenário internacional. 
       Para se avaliar os resultados concretos de Copenhague, com frequência 
        recorrese à imagem do copo "meio cheio ou meio vazio". Os analistas se 
        dividem entre aqueles que consideram que foi dado um passo, um pouco tímido, 
        mas na direção certa, e aqueles que, ao contrário, enfatizam a distância 
        entre o pouco que foi alcançado e o quanto seria necessário obter para 
        que se chegue a um marco legal crível, caso se pretenda abordar com eficácia 
        os grandes desafios propostos à humanidade em razão das profundas mudanças 
        climáticas que estariam ocorrendo.  Tudo indica que este debate terá de continuar a se manifestar no caminho 
        que levará à nova Conferência, a ser realizada no México em dezembro. 
        É possível prever que não será um caminho fácil óulinear. É possível presumir-se 
        que,· durante este ano, o debate continuará centrado no alcance e na solidez 
        dos diagnósticos sobre a gravidade das mudanças climáticas que estariam 
        ocorrendo; sobre as medidas que são necessárias e passíveis de serem adotadas, 
        considerando parâmetros e prazos relevantes; sobre as responsabilidades 
        a serem assumidas pelos diversos tipos de países - especialmente os desenvolvidos 
        e os em desenvolvimento, considerando-se suas contribuições, passadas 
        e atuais, para a contaminação ambiental - e sobre a distribuição dos custos 
        inevitáveis e do respectivo financiamento das medidas que seriam adotadas. É um debate complexo em termos de considerações científicas, especialmente 
        pelo fato de que os efeitos mais sérios ocorreriam no médio e longo prazos, 
        embora muitos dos respectivos custos devessem ser assumidos já no curto 
        prazo. Em termos políticos, esta defasagem de tempo é fortemente relevante 
        no cenário interno de cada um dos países com maiores responsabilidades 
        a assumir.  Em todo o caso, com os resultados pouco expressivos da Conferência de 
        Copenhague, três aspectos do novo cenário internacional ficaram agora 
        ainda mais evidentes. Os três têm grandes implicações institucionais e 
        nos processos decisórios que forem utilizados para forçar os acordos necessários. 
       O primeiro se refere ao fato de que algumas questões relevantes que incidem 
        sobre as relações internacionais e afetam, inclusive, o futuro da humanidade, 
        somente podem ser abordadas em escala global. Por exemplo, tome-se especificamente 
        as mudanças climáticas. O problema principal é que se os diagnósticos 
        científicos mais alarmantes forem comprovados como corretos, qualquer 
        demora em agir pode acarretar graves consequências e custos sociais de 
        grande magnitude.  Outra questão relevante de alcance global, tão séria quanto a anterior, 
        é a da abordagem dos diversos desdobramentos que a agenda de segurança 
        e paz no mundo apresenta hoje. Nenhum país que agisse individualmente 
        estaria em condições de assegurar a eficácia das ações que ossam ser demandadas 
        neste plano. Tudo se complica, além disso, em virtude da proliferação 
        dos protagonistas não estatais no emprego de diferentes tipos de violencia 
        no cenário internacional e, em particular, pelo risco certo da privatização 
        dos meios de destruição em massa.  Em relação às duas questões - entre outras, que incidem sobre a agenda 
        internacional -, a governabilidade global estará condicionada fortemente 
        à vontade das diversas nações, que têm relevância e capacidade de serem 
        líderes no cenário internacional, de trabalharem juntas. Mas estará também 
        condicionada à habilidade em desenvolver modalidades criativas de trabalho 
        em conjunto entre as nações, tanto no plano global quanto em cada uma 
        das regiões.  O segundo aspecto está relacionado com a dificuldade de se definir, na 
        pratica quantos países são necessários para se obter uma massa crítica 
        de poder suficiente de modo que as decisões a serem adotadas para se obter 
        uma governabilidade global razoável tenham caráter vinculador, eficácia 
        e legitimidade social. E a questão principal colocada pela modalidade 
        de agrupamentos informais de Paises -os "G". É relevante, e é sabido, 
        que no futuro a governabilidade global não poderá depender de uma única 
        nação, por mais poderosa que ela continue a ser, como e o caso dos Estados 
        Unidos.  No plano global, este aspecto surgiu com o G-20 e, em grande parte, tanbém 
        nas caóticas horas finais da Conferencia de Copenhague. Não se trata apenas, 
        problema de não se saber quantos e países devem participar deste Grupo 
        de outros similares. O debate a este respeito continua e talvez não se 
        chegue a uma conclusão durante muito tempo. Trata-se de saber como superar 
        os efeitos da heterogeneidade de poder entre os múltiplos países participantes 
        ou que possam aspirar a participar. Ao opinar e participar de um "G", alguns países refletem sua própria 
        e indubitável atribuição de poder relativo, tanto real quanto potencial, 
        como nos casos dos EUA e da China. Outros refletem uma capacidade de aglutinar 
        nações através de diferentes tipos de agregação de poder, em um contexto 
        institucional de trabalho conjunto dentro de um determinado espaço geográfico 
        regional; é o caso da União Europeia porém isso nem sempre se traduz em 
        uma participação conjunta efetiva no plano internacional, como fica demonstrado 
        em inúmeros exemplos, que incluem até mesmo a própria Conferência de Copenhague. 
        Os outros países, embora possam ser considerados relevantes em termos 
        de dimensão econômica e de poder relativo (algumas vezes mais em potencial 
        do que de fato) e manifestem vocação de protagonistas e, inclusive, de 
        liderança, nem sempre conseguem necesariamente demonstrar que refletem 
        a opinião que prevalece em todos os países da região geográfica a que 
        pertencem. Por exemplo, é o caso da Argentina e o do Brasil dentro do 
        espaço geográfico sul-americano, e também, entre outros, os casos da índia, 
        Rússia, Indonésia, Egito e África do Sul.  Em todo o caso, esta modalidade informal - no sentido de não constituir 
        organizações permanentes nem de ter capacidade jurídica para dar origem 
        a compromissos vinculadores - de trabalho conjunto no plano internacional 
        apresenta dificuldades que podem diminuir sua eficácia relativa. Elas 
        são manifestadas nos processos preparatórios das respectivas reuniões 
        e, em particular, na sua capacidade limitada de traduzir em realidades 
        concretas aquilo que foi acordado. Tais mecanismos informais podem ser 
        mais eficientes quando se trata de cordenar ações que dependem de medidas 
        adotadas nos respectivos planos nacionais, como é o caso de alguns dos 
        acordos do G-20 relacionados ao sistema financeiro internacional. Mas 
        sua eficiência pode ser menor - quase nula inclusive - quando diz respeito 
        a impulsionar ações que precisem ser traduzidas em compromissos jurídicos 
        e no desenvolvimento de nova regulamentação jurídica internacional. Por 
        exemplo, o G-20 demonstrou sua disposição de concluir a Rodada de Doha 
        e, com certeza, isto foi manifestado em Copenhague.  A terceira questão transparece no fato de que algumas das organizaçoes 
        internacionais globais atuais apresentam insuficiências que as tornam 
        pouco eficientes na hora de conseguir, entre seu grande número de países 
        membros, os consensos que são necessários para agir e, especialmente, 
        para gerar compromissos vinculadores. Seus processos decisórios podem 
        estar refletindo uma arquitetura internacional já ultrapassada ou que 
        já esteja sendo rapidamente ultrapassada. Com relação a isto, surgem três 
        perguntas centrais: como conseguir que 193 (caso da ONU) ou 153 (caso 
        da OMC) países cheguem ao equilíbrio de interesses necessário que permita 
        a tomada de decisões vinculadoras relacionadas com a realidade? Tais decisões 
        teriam as qualidades necessárias de eficiência, eficácia e legitimidade 
        social, se forem adotadas somente por um número limitado de países relevantes 
        seguindo critérios de "geometria variável" e de "massa crítica"? Neste 
        caso, quais deveriam ser esses países, de modo a que não seja gerada uma 
        rejeição explícita ou implícita entre aqueles que não participem da tomada 
        das respectivas decisões, evidenciando assim um sério problema de legitimidade? 
        Responder a essas perguntas, com ações, não será uma tarefa fácil ou rápida. 
       Os aspectos mencionados são apenas alguns dos que evidenciam o âmbito 
        da crise sistêmica mundial atual. Eles recriam a tensão dialética clássica 
        entre ordem e anarquia nas relações internacionais. Trata-se de uma crise 
        sistêmica que pode ter um efeito dominó em diferentes esferas regionais 
        e, eventualmente, em escala global. Ela transparece na dificuldade de 
        se encontrar, no âmbito de instituições provenientes de uma ordem em colapso, 
        respostas eficazes para problemas coletivos que são confrontados em escala 
        global.  Deixar o modo como estamos agindo hoje e caminhar em direção a uma nova 
        ordem internacional, que derive mais da razão do que da força, não é, 
        uma tarefa fácil. Surge daí um fato perigoso que não convém ser subestimado, 
        isto é, que a falta de respostas eficazes a algumas das cuestões mais 
        sérias da agenda global leve-como já ocorreu no passado - ao surgimento 
        de problemas sistêmicos dentro de países que foram, e que ainda são, protagonistas 
        relevantes no cenário internacional, ou que, mesmo quando não o sao podem 
        produzir efeitos de arrasto em respectivos espaços geográficos regionais. Isto pode ocorrer na medida em que em países diferentes, inclusive nos 
        mais desenvolvidos, os cidadãos não apenas percam sua confiança nos mercados 
        - un efeito possível de perdurar no cenário de desajustes financeiros 
        globais -, más também na capacidade de encontrar respostas no contexto 
        dos seus respectivos sistemas democráticos. Se assim ocorrer os prognósticos 
        sombrios de alguns analistas seriam até suaves se comparados con o que 
        seria necessário enfrentar no futuro.  Tradução Luciane Sommer. |