| lntrodução: a govemabilidade do espaço sul-americano 
        como uma questão relevante na agenda bilateral Projetada para o futuro, a agenda das relações bilaterais 
        entre a Argentina e o Brasil apresenta vários desafios. Neles incidem 
        as transformações estruturais políticas econômicas 
        e financeiras, observadas no contexto internacional, e que se tornaram 
        mais evidentes no início de 2008. Um dos principais desafios é o que propõe a governabilidade 
        do espaço geográfico regional sul-americano. Privilegiaremos 
        a discussão deste desafio nesta análise. Por ele, entendemos 
        a necessidade de assegurar que nas relações entre os 12 
        países que formam este espaço predominem fatores que impulsionam 
        a cooperação ea integração, como contraposição 
        à preponderância da lógica do conflito e da fragméntação. 
        Assegurar a paz e a estabilidade no espaço sul-americano será, 
        nos próximos anos, lun dos objetivos que mais influenciará 
        a orientação e a intensidade da relação bilateral 
        entre à Argentina e o Brasil e as suas respectivas políticas 
        externas. Neste sentido, é possível perceber que a qualidade e a 
        solidez das relações bilaterais entre ambos os países, 
        isto é, sua capacidade de articular - a despeito de süas diferenças 
        nahlrais - visõese políticas comuns, continua sendo uma 
        condição necessária para o desenvolvimento deum núcleo 
        duro que permita assegurar o predomínio da democracia, da paz e 
        da estabilidade política dentro da região.  Mas é necessário perceber que um enfoqüe realista 
        implica colocar a análise do futuro desta relação 
        bilateral na perspectiva do interesse nacional de cada um dos dois países 
        ante os desafios e oporhmidades que surgem de uma realidade internacional 
        marcada, precisamente, por mudanças estmturais profundas. Com efeito, mudança, volatilidade e incerteza são palavras 
        que não podem faltar em qualquer análise do cenário 
        internacional atual. Tudo indica que terão ainda mais significado 
        no futuro. O mundo entrou em wna etapa na qual a expressão "areias 
        movediças" permite ilustrar as suas principais características.
 Deslocamentos de poder relativo e de vantagens competitivas entre as 
        nações, às vezes muito rápidos, outras em 
        câmara lenta, quase gota a gota, tornam difícil predizer 
        o futuro. Hoje, mais do que mmca, detectar fatos qne tenham reflexo no 
        futuro, ter olho clínico para identificar forças profundas 
        e suas eventuais orientações, é uma condição 
        necessária para tentar de codificar a dinâmica das mudanças 
        internacionais. Exige do analista e do homem de ação wna 
        aptidão mental de atirador de alvos móveis, e não 
        da posição mais confortável de atirador de alvos 
        fixos. E exige das instihüções acadêmicas estar 
        em condições de formar quadros com este tipo de aptidão 
        mental e com a capacidade de perceber as novas realidades dentro da perspectiva 
        de diferentes tipos de atores: governamentais, empresários e da 
        sociedade civil.  Como conciliar as respectivas necessidades internas com as possibilidades 
        externas - na definição bastante acertada que faz o professor 
        Celso Lafer sobre a arte da política externa -é wn exercício 
        que requererá lima atenção privilegiada de ambos 
        os países. Uma agenda bilateral eficaz implica compartilhar em 
        todos os níveis, não só no governamental, os diagnósticos 
        sobre as margens de manobra que estão sendo abertas em todo o país, 
        tanto no sistema internacional global quanto no sistema regional. E implica 
        reconhecer que tais margens de manobra podem ser diferentes para cada 
        wn dos dois países.  Sendo assim, também é preciso definir a relevância 
        relativa de cada um dos dois países - que nem sempre será 
        parecida sob a. perspectiva dos protagonistas mais significativos dos 
        vários subsistemas internacionais nos quais o respectivo país 
        se inclui. E é uma relevância que também está 
        exposta a uma forte dinâmica de mudança, eventualmente com 
        efeitos diferentes em ambos os países.  Será uma tarefa que não tolerará nem voluntarismos 
        nem improvisações. São duas condições 
        que, se prevalecerem, diminuiriam as possibilidades de aproveitar de maneira 
        sustentável as enormes oportunidades que o novo cemirio mundial 
        criou para cada um dos países, particularmente na medida em que 
        conseguirem articular seus interesses com os de outros países, 
        da própria região oli do resto do mundo. Além disso, 
        potencializariam os custos de não saber administrar os desafios 
        que serão criados, com suas eventuais conseqüências 
        negativas para os respectivos interesses nacionais.  As reivindicações que serão criadas terão 
        um impacto significativo em três âmbitos, como conseqüência 
        de uma inserção internacional ativa de ambos os países 
        no mundo e na região. Referimonos, em particular, à necessidade 
        cada vez maior de entender a dinâmica internacional em hmção 
        de interesses nacionais bem definidos. Isto é, de colocar a informação 
        sobre os fatos e tendências na perspectiva da gestão da inteligência 
        competitiva de protagonistas relevantes - governo e empresas - com estratégias 
        e diretrizes em constante processo de atualização.  Tais âmbitos são:  
        o governamental, com ênfase nos respectivos serviços 
          externos,. com sua valiosa rede de antenas disseminadas em vários 
          países e em pontos internacionais específicos- especialmente 
          Nova York, Washington, Viena, Roma, Genebra, Bruxelas e Montevidéu, 
          sede de alguns dos orgarlismos internacionais mais relevantes; 
 
o empresarial e. suas instituições, que se supõe 
          estar cada vez mais orientados para projetar internacionalmente a sua 
          capacidade de produzir bens e de prestar serviços que existem 
          ou se desenvolvem em cada um dos países; 
 
o das instituições acadêmicas, em sua tripla função 
          de capacitar quadros profissionais competentes, de contribuir para a 
          inovação e a geração de progresso técnica, 
          e de ajudar a entender o mapa de oporh.midades e desafios, resultado 
          da evolução contínua do cenário internacional. 
          
 São âmbitos complementares, pois competir e negociar globalmente 
        implicará, cada vez mais, um esforço sistemático 
        de sinergias entre várias protagonistas, públicos e privados. 
        Prajetar tais sinergias no plana bilateral e também cam autros 
        países da região permitirá patencializar e melhor 
        éÍproveitar as imensas possibilidades que estão sendo 
        constantementeabertas no cenário internacional. Algo indica a este 
        respeita a experiência dos países da União Européia 
        e, cada vez mais, a dos países da Asean (Associação 
        de Nações do Sudeste Asiático). Os protagonistas antes mencianadas não são os únicos 
        relevantes. Só para mencianar alguns exemplos, cada país 
        deverá aproveitar em sua estratégia de inserção 
        internacional ativa todo a potencial que pade resultar da internacionalização 
        de seus meias de camunicação - por exemplo, a importância 
        de ter correspondentes internacionais prafissionais e qualificadas nas 
        principais centros de poder mundial. E a fato de que, por muitos motivos, 
        fai se deseu valvenda uma verdadeira "diáspora" formada 
        por milhares de cidadãas das nassos países que hoje vivem, 
        trabalham e estudam em diferentes países do mundo, sem contar com 
        outros milhares que viajam ocasionalmente, cama turistas au mochileiros. 
       Com relação ao tema que privilegiamos neste artigo, faremas 
        algumas reflexões nos próximos itens. No primeira, veremos 
        o que a experiência das últimas décadas indica sobre 
        a alcance da relação. bilateral entre a Argentina e o Brasil. 
        Na segunda, mencionaremos algumas das mudanças mais relevantes 
        abservadas no contexto. internacianal, enfatizanda as que mais incidem 
        na concorrência ecanômica global. No terceiro, examinaremos 
        tendências que estão influindo no espaço sulamericano 
        e introduziremos considerações sobre a questão da 
        liderança em um subsistema regional multipolar. No quarto, abordaremos 
        o tema da construcão institucional que permite assegurar a governabilidade 
        do espaço geográfico regional sul-americano. E, finalmente, 
        faremos algumas cansiderações sobre a futura agenda bilateral 
        entre a Argentina e a Brasil, colocada na perspectiva dos desafios que 
        apresenta a governabilidade do espaça sul-americano. O alcance de uma relação· bilateral inevitável, 
        dinâmica e não excludente Três traços caracterizam hoje em dia a relação 
        entre a Argentina e o Brasil. Eles não podem ser ignorados na farmulaçãa 
        das respectivas estratégias nacionais de ins·erção 
        no mundo e na região. E, menos ainda, na análise sobre o 
        Estado atual e as perspectivas da governabilidade do espaço geográfico 
        sul-americano. O primeiro traço tem a ver com a caráter inevitável 
        da relação bilateral. Os dois países podem fazer 
        tudo, menos ignorarse reciprocamente. A relação com o outro 
        é um dado relevante de suas políticas externas. O que acontece 
        no âmbito interno de cada um dos países também pode 
        incidir sobre o outro. Isto advém de pelo menos três fatores. 
        São eles: a contigüidade geográfica - o fato de serem 
        vizinhos é um dado da realidade que não pode ser desconhecido 
        nem subestimado; a inserção em um mesmo subsistema político 
        internacional, foformado pelas nações que compartilham o 
        espaço geográfico sul-americano e a profundidade das interações 
        em vários âmbitos, não só no comercial; seria 
        difícil imaginar um retorno a uma relação pouco intensa 
        em suas diversas manifestações. Somados, os três fatores levam ambos os países a ser, um 
        para o outro, parte de sua agenda de problemas e, eventualmente, parte 
        das suas soluções. Só com visões muito parciais 
        e limitadas de suas realidades podemos imaginar que um dos dois países 
        tenha deixado de ter relevância para o outro. Quando isso ocorre, 
        os fatos costumam tornar evidente essa relevância. É o que 
        normalmente fica claro no nível político mais alto. Isto 
        explica por que nas últimas décadas, nenhum presidente tenha 
        deixado de valorizar o alcance estratégico da relação 
        bilateral.  O segundo traço se refere à dinâmica dessa relação. 
        Não é nem poderia ser vista como algo estático, isto 
        é, com parâmetros e diretrizes definidos de uma vez por todas. 
        Por isto, sua abordagem precisa considerarfatores que estão continuamente 
        incidindo na sua qualidade e intensidade, nas assimetrias de poqer relativo 
        e, particularmente, nas percepções recíprocas soe 
        bre as relevâncias e lealdades.  Pelo menos três fatores incidem nesta dinâmica: a composição 
        e o resultado (saldos) do comércio recíproco e as tendências 
        dos investimentos produtivos (domésticos ou que têm origem 
        no outro país ou em terceiros países); a disputa por mercados, 
        recursos naturais e influências -políticas no espaço 
        sul-americano; e o protagonismo relativo nas relações com 
        as principais potências, particularmente com os Estados Unidos e, 
        no futuro, com a China, a Índia,e outras potências emergentes. 
       São fatores que transcendem orientações ideológicas 
        ou políticas que possam prevalecer em um determinado momento, em 
        qualquer dos dois países. Na teo.ria, a relação pode 
        ser mais intensa se existir, nas respectivas lideranças, visões 
        homogêneas sobre o mlmdo e as políticas públicas; 
        mas, na prática nem sempre é assim. Às vezes, a facilidade 
        com que os líderes se comunicam - e também a sua empatia 
        - tem mais importância na hora de definir a orientação 
        e a qualidade das relações recíprocas. Isto é 
        válido no caso dos respectivos presidentes, ou de outros protagonistas-chave, 
        como os responsáveis pelas políticas externas, econômicas 
        e industriais. Isto também vale para os demais atores do cenário 
        político, social e empresarial dos dois países. Nos últimos 
        anos, nem sempre a intensidade ou a qualidade de comunicação 
        entre as instituições empresariais, por exemplo, estiveram 
        de acordo com a valorização esh"atégica que 
        os governos atribuem à relação bilateral. Entretanto, é no âmbito empresarial que estão sendo 
        colocadas em evidência as novas realidades que incidem nessa relação. 
        Entre elas, cabe destacar o fato de que aumentaram os investimentos de 
        empresas brasileiras na Argentina. Isto faz com que tais empresas possuam 
        cada vez mais interesses vinculados ao comportamento da economia argentina, 
        com seu lúvel de previsibilidade e segurança jurídica, 
        e com a qualidade do ambiente que predomina na relação bilateral. 
        Em menor grau, empresas que funcionam na Argentina têm uma presença 
        estável no mercado brasileiro, seja através do comércio 
        seja através de investimentos. Setores corno o automotivo e o de 
        alimentos são exemplos neste sentido. Todas elas são empresas 
        que deveriam ter grande interesse na qua. Iidade .e no aprohmdamento das 
        relações bilaterais.  Um terceiro traço se refere ao caráter nao exceludente 
        da relação estratégica bilateral. Ele é, em 
        grande parte, conseqüência das mudanças que estão 
        sendo feitas mundialmente. No mundo pós-Guerra Fria, todo país 
        tenta aproveitar o potencial de diversas opções para entrar 
        na disputa global pelo poder, pelos mercados, pelos investimentos e pelos 
        recursos naturais. De um.a forma ou de outra, os países desejam 
        desenvolver estratégias de alianças múltiplas que 
        ajudem a pôr em, prática tais opções simultane,arnente. 
        Além mesmo quando países se comprometem em um bloco regional 
        - como é o caso da União Européia - procuram conciliar 
        disciplinas e lealdades coletivas com a preservação da maior 
        margem de manobra internacional possível. Isto pode ser observado 
        atualmente na Asean e também no espaço sul-americano.  Nem a Argentina nem o Brasil podem imaginar. a sua aliança estratégica 
        como exclusiva ou excludente. O problema é que nem sempre isto 
        fica claro para os protagonistas ou analistas, nem foram desenvolvidas 
        disciplinas coletivas suficientes nos âmbitos de ação 
        conjlmta. Assim, às vezes surgem percepções do que 
        se consideram deslealdades, especialmente quando o que está em 
        jogo é a relação com a única potência 
        que ainda pode pretender uma liderança hegemônica na região, 
        isto é, os Estados Unidos.  Algumas mudanças mais relevantes no contexto internacional 
         A China, a Índia e outras economias emergentes, com seu protagonismo, 
        estão provocando mudanças profundas no cenário internacional, 
        especialmente no âmbito da concorrência econômica global 
        e no das negociações comerciais internacionais, apresentando 
        novos desafios e oportunidades. para os países da América 
        do Sul. Tais mudanças tornaram-se mais evidentes por ocasião 
        da crise financeira global que começou a manifestar-se no início 
        de 2008.  Neste sentido, observamos. tendências cujas raízes são 
        profundas e que foram se acentuando nos últimos anos, especialmente 
        a partir do fim da Guerra Fria e após os trágicos acontecimentos 
        de 11 de setembro de 2001.  Pelo menos quatro traços sobressaem no ahtal quadro da situação 
        mtmdial, incluindo tanto a suadirnensão política e de segurança, 
        como a econômica. São eles:  
        o predomínio das questões globais de segurança 
          na agenda das principais potências, assim como uma incidência 
          cada vez maior das questões regionais de segurança na 
          agenda dos países latino-americanos; 
 
a constante ausência de limites entre as questões internas 
          e as externas nas agendas políticos e econômicas da maioria 
          dos países; 
 
a perplexidade dos cidadãos e, também, dos setores dirigentes, 
          diante da nova situação observada, tanto no que diz respeito 
          à segurança - incluindo a dificuldade de identificar o 
          inimigo como com relação à concorrência econômica 
          global - considerando os efeitos ambivalentes da globalização 
          e seu impacto sobre as identidades nacionais e sobre o deslocamento 
          das vantagens competitivas; 
 
o desgaste dos paradigmas dominantes em décadas anteriores, 
          tanto no que se refere à segurança internacional, quanto 
          no que diz respeito à concorrência econômica global 
          e a organização dos sistemas econômicos e sociais 
          nacionais.  Por seu lado, no âmbito da concorrência econômica global, 
        observamos pelo menos sete tendências que foram se acentuando nos 
        últimos anos e que, provavelmente, continuarão manifestando 
        seus efeitos no médio e longo prazos. São elas:  
        o surgimento de novos protagonistas relevantes no âmbito da 
          concorrência econômica global e no das negociações 
          comerciais internacionais. Os casos mais notórios são 
          os da China e da .Índia. Mas também há os países 
          que atualmente fazem parte do G-20 e que têm forte influência 
          nas negociações agrícolas internacionais, assim. 
          como outros países - ou grupo de países como a Rússia, 
          os países do Sudeste Asiático, a África do Sul, 
          os países da Europa Central e os latino-americanos, como o Brasil, 
          o México, a Argentina e o Chile; 
 
a evidência de novos recursos de poder, nos quais se destacam 
          O acesso à informação em tempo real e, no campo 
          da segurança internacional, a miniahlrização de 
          almas de todo tipo - este último fator poderia incidir cada vez 
          mais no grau de previsibilidade que os fluxos de comércio e de 
          investimento necessitam; 
 
a proliferação de "clubes privados de comércio 
          internacional", que fazem diferentes tipos de acordos preferenciais, 
          todos eles implicando diferentes níveis de exceção 
          contra os prinópios fundamentais do sistema comercial multilateral 
          global, no âmbito da OMC e, particularmente, o princípio 
          da nãodiscriminação; 
 
a relativa capacidade da OMC de tornar exigíveis os compromissos 
          assumidos em seu âmbito, particularmente pela eficácia 
          do seu sistema de solução de controvérsias, que 
          propiciou o aparecimento da expressão: uma OMC "com dentes", 
          mas, por sua vez, as incertezas existentes com relação 
          ao futuro do sistema comercial multilateral global, em boa parte devido 
          às dificuldades que observam para concretizar os objetivos previstos 
          na Rodada de Doha e urna tendência incipiente ao não-cumprimento 
          dos pronunciamentos que surgem do sistema de solução de 
          controvérsias; 
 
o papel significativo das grandes redes transnacionais de inovação, 
          produção e comércio, em cujo interior se canaliza 
          uma parte significativa dos fluxos de bens e serviços, assim 
          corno a tendência cada vez maior ao surgimento de redes transnacionais 
          que têm sua origem em países em desenvolvimento; 
 
a incidência que as questões vinculadas aos alimentos, 
          à energia e ao meio ambiente têm na competição 
          econômica global;
 
o fato de que os consumidores, especialmente os de maior renda em 
          todos os países, e não só nos mais desenvolvidos, 
          estão se tomando cada vez mais exigentes no que diz respeito 
          à qualidade dos produtos, especialmente no aspecto de higiene 
          é dos serviços. 
 E possível que os países sul-americanos - incluindo, é 
        lógico, a Argentina e o Brasil - possam capitalizar a seu favor 
        as vantagens abertas com o novo mapa da concorrência econômica 
        global, na medida em que consigam criar urna imagem baseada na realidade 
        de um espaço no qual predomine a paz, estabilidade políti.ca, 
        democracia, modernização tecnológica e a eqüidade 
        social. Ou seja, na medida em que este espaço geográfico 
        passe a ser percebido corno uma região governável.  Mudanças noespaço sul-americano e a questão da 
        liderança regional A Arnérica do Sul é cada vez mais - corno foi no passado 
        - um subsistema internacional diferenciado, com urna lógica e dinâmica 
        próprias, determinadas por uma história compartilhada e 
        por uma geografia na qual as distâncias físicas e, sobretudo, 
        políticas e econômicas, foràm reduzidas. O fator energia, 
        entre outros, acentuou a dependência mútua entre os países 
        deste espaço regional, contribuindo para a sua diferenciação. 
        É fato que a região sul-americana vive momentos de profundas 
        mudanças. Isto é positivo, dadas as transformações 
        que estão acontecendo no sistema internacional, tanto no plano 
        da segurança quanto no da concorrência econômica global. 
        Como destacamos anteriormente, é um mlilldo de areias movediças, 
        no qual a lógica da violência está encoberta por 
        modalidades inéditas, difíceis de captar com paradigmas 
        do passado.  E também, como ressaltamos anteriormente, a competição 
        pelos mercados mundiais está se modificando devido à proliferação 
        de novos protagonistas, sejam eles grandes economias emergentes ou complexas 
        redes transnaciOhais de produção, comércio e financiamento. 
        Em um mundo em transformação, seria ilusório que 
        a região também não vivesse as suas próprias 
        transformações. Já aconteceu várias vezes 
        no passado.  Neste contexto, a agenda sul-americana aparece dominada por questões 
        de governabilidade interna de alguns dos países e de expectativas 
        insatisfeitas de sociedades mobilizadas, entre outros fatores, pelos efeitos 
        da globalização da produção e da informação. 
        Administrar a adaptação às novas realidades mundiais 
        com seus conseqüentes impactos internos é, então, um 
        grande desafio que hoje vivem os países sul-americanos e, também, 
        os países de outras regiões. É um desafio-chave para 
        decodificar a relação estratégica entre a Argentina 
        e o Brasil. Como interpretar uma vizinhança geográfica com uma interdependência 
        cada vez maior, em um espaço no qual predomina a lógica 
        da integração sobre a do conflito e, eventualmente, da violência, 
        parece ser uma questão que requer uma liderança regional 
        efetiva. A construção de uma área regional de qualidade, 
        favorável à paz, ao desenvolvimento e à coesão 
        social é o que importa para as pessoas e, particularmente, para 
        os que tomam decisões de investimento produtivo, que é o 
        que cria empregos e contribui para enfrentar os dilemas que a globalização 
        apresenta.
 Nos últimos anos, acentuou-se o caráter multipolar da inserção 
        econômica internacional dos países sul-americanos, especialmente 
        os do Mercosul, Chile e de alguns países andinos. Tal caráter 
        se reflete na estruhua de seu comércio exterior e dos fluxos de 
        investimento estrangeiro direto, o que demonstra uma inserção 
        externa diversificàda em suas origens e destinos, com a União 
        Européia, a própria América Latina, os Estados Unidos 
        e cada vez mais com a Ásia.  A este respeito, parece conveniente distinguir o espaço sul-americano 
        do latinoamericano, que também engloba o México, a América 
        Central e os países do Caribe. A América do Sul é 
        então, cada vez mais como foi no passado - um subsistem a internacional 
        diferenciado, com uma lógica e dinâmica próprias, 
        determinadas por uma história compartilhada e por uma geografia 
        na qual as distâncias foram reduzidas. 
 Qual país tem mais possibilidades de exercer uma liderança 
        no espaço geográfico latino-americano? É uma pergunta 
        que está presente em muitas análises so~ bre a política 
        e a economia da região. É recorrente nos últimos 
        anos, como conseqüência do protagonismo ativo do presidente 
        Chávez. Costuma ser uma pergunta que inclui, também, a análise 
        das relações bilaterais entre a Argentina e o Brasil. 
 Responder a pergunta de quem exerce esta liderança ou pode exercê-la 
        implica precisar o que significa liderar unia região. É 
        preciso distinguir três conceitos. [1] Em primeiro lugar, o conceito 
        de relevância, que tem relação com o grau de gravitação 
        (poder, recursos, mercado, influência, prestígio) que um 
        país pode ter para defuúr a forma como são encaradas 
        questões importantes vinculadas à agenda regional. Não 
        apenas isso deve ser considerado, como seria muito difícil articular 
        soluções sem a sua participação. Por sua vez, 
        o conceito de protagemlsmo, que significa que um país, especialmente 
        se é relevante, procura ter uma presença ativa cómo 
        ator de questões importantes vinculadas à agenda regional. 
        Também não pode deixar de ser considerado no momento de 
        enfrentar uma questão concreta. Entretanto, às vezes pode 
        ser uma presença ativa mais na mídia do que real, destinada 
        também a aumentar a sua relevância. Também pode acontecer 
        que um país relevante não deseje ter um protagonismo ativo. 
        E,em terceiro lugar, o conceito de liderança, que implica um país 
        optar por ser um protagonista ativo, qualquer que seja a sua relevância, 
        e contribuir para tais questões com uma visão estratégica 
        e iniciativas aceitáveis para os outros países envolvidos. 
       A liderança no espaço geográfico regional sul-americano 
        consistiria, nesta perspectiva, em contribuir com visão estratégica 
        e iniciativas razoáveis para concretizar um espaço regional 
        no qual caibam as diversidades, graças ao predomínio da 
        idéia de mn trabalho conjunto com relação à 
        agenda de questões mais importantes. A liderança, então, 
        se manifestará na capacidade de um país que é um 
        protagonista relevante - mesmo os menores podem ser relevantes, como demonstraram 
        os de Benelux no caminho que conduziu ao Tratado de Roma - de contribuir 
        para a articulação de interesses nacionais divergentes entre 
        todos os países envolvidos. E de facilitar, assim, o controle de 
        focos potenciais de dificuldades, como os que surgiriam se não 
        for possível em um país, especialmente se for mn protagonista 
        relevante, alcançar pautas estáveis de governabilidade democrática. 
       Dado o caráter multipolar do espaço geográfico regional 
        sul-americano, a liderança é mna tarefa que requer o protagonismo 
        ativo de vários países relevantes, não de um só. 
        Por sua dimensão relativa, o Brasil pode ter uma maior responsabilidade 
        e potencial para influir sobre as realidades. Mas, para isto, terá 
        que acordar iniciativas com outros protagonistas relevantes com vocação 
        de liderança, como a Argentina, o Chile; a Colombia o Peru e, inclusive, 
        a Venezuela, especial. mente devido à sua relevância. como 
        produtor de hidrocarbonetos e por seu protagonismo ativo, ainda que muitas 
        vezes com mna tendência a estar mais na mídia do que a ter 
        um protagonismo real. Também terá que considerar a gravitação 
        dos Estados Unidos na região, como também a de países 
        da União Européia e, cada vez mais, da China. Em muitas 
        questões importantes da agenda regional, foram ou são, hoje 
        em dia, protagonistas relevantes. No complexo mosaico sulamericano, são 
        muitos os protagonistas relevantes com vocação de liderança 
        e muitas as opções em termos de coalizões de níveis 
        variáveis que dependerão do tipo de questão a ser 
        abordada. 
 Sendo assim, uma questão, central nas futuras relações 
        entre a Argentina e o Brasil passa por responder na prática a pergunta 
        sobre o papel que podem exercer - o ideal seria, trabalhando juntos, objetivar 
        mna liderança coletiva - para o desenvolvimento das condições 
        de governabilidade no espaço sul-americano, assim como na construção 
        de bens públicos regionais que contribuam para o predomínio 
        da lógica de integração e neutralizem tendências 
        criadas por forças centrífugas cada vez mais evidentes. 
        O mais provável é que o farão exercendo também 
        as suas próprias alianças múltiplas e variáveis, 
        tanto no âmbito regional como no global.  A institucionalização de um espaço regional no 
        qual predomine a lógica da integração  Nos últimos anos, podemos observar duas tendências nas relações 
        externas das nações que fazem parte de subsistemas internacionais 
        como o sul-americano. Dentro deste contexto existem tendências orientadas a institucionalizar 
        o espaço sul-americano. Uma dessas tendências é a 
        da diplomacia presidencial, entendida como a interação direta, 
        com a presença física, ou por outros meios, dos chefes de 
        Estado e de Governo das nações soberanas. Expressa-se especialmente 
        na proliferação, em todas as regiões, das reunIões 
        de cúpula presidencial de alcance multilateral. Manifestaram-se 
        de forma muito ativa nas últimas décadas, sem desconsiderar 
        certa tradição histórica.  A outra é a tendência à diplomacia multiespacial. 
        Reflete cada vez mais uma diversificação dos espaços 
        geográficos nos quais os países que competem em âmbito 
        global ou regional desenvolvem estratégias de inserção 
        internacional. No mundo do século XXI, seria difícil um 
        país limitar as suas relações externas só 
        com as principais potências ou com as de um contexto próximo. 
        Pelo contrário, é natural que se tente aproveitar todas 
        as oportunidades que na área do comércio e dos i:nvestimentos 
        possam existir em qualquer país do mlmdo, em boa parte graças 
        ao colapso de compartimentos estanques que foram próprios do período 
        da Guerra Fria e, particularmente, graças ao colapso das distâncias 
        físicas, econômicas e culturais.  Privilegiaremos aqui a análise do fenômeno da diplomacia 
        presidencial multilateral e multiespacial na perspectiva do subsistema 
        internacional formado pelo espaço geográfico sul-americano. 
       Como todo fenômeno internacional, o da diplomacia multilateral 
        e multiespacial pode ser abordado sob diferentes ângulos. Aqui, 
        daremos ênfase à sua relativa relevância e eficácia, 
        em função do objetivo estratégico de assegurar a 
        governabilidade do espaço sul-americano por um lado e, por outro, 
        alcançar objetivos de cada país para melhorar a qualidade 
        de sua inserção econômica internacional e melhor defender 
        os seus respectivos interesses nacionais, especialmente no que se refere 
        a sua real participação no sistema internacional global. Neste sentido, uma das principais perguntas que devemos tentar responder 
        - ou pelo menos fornecerelementos para uma eventual resposta - é 
        saber se se trata somente de um fenômeno que faz parte do plano 
        da participação formal ou simbólica no sistema internacional 
        com suas eventuais vantagens de curto prazo em termos de diplomacia para 
        a mídia ou diplomacia de efeitos especiais, ou de políticas 
        de prestígio com efeitos favoráveis internos e externos 
        ou se, pelo contrário, trata-se de uma modalidade efetiva de participação 
        real, orientada a melhorar a posição relativa de cada país 
        - ou de um grupo de países, como poderia ser o caso do Mercosul 
        ou da Comlmidade Andina de Nações -, nos mapas do poder 
        mlmchal, da concorrência econômica global e das negociações 
        comerciais internacionais.  Por melhorar a posição relativa no sistema internacional, 
        entende-se os efeitos de ampliação da margem de manobra 
        com o qual uma nação conta para desenvolver políticas 
        externas funcionais aos seus requerimentos internos. Indicadores concretos 
        a este respeito são os compromissos exigíveis a ser obtidos 
        pelos países que participam destes fóruns presidenciais 
        multilaterais sobre questões relevantes de suas respectivas agendas 
        externas e as que tenham relação com a integração 
        econômica e a estabilidade política no respectivo espaço 
        regional. Eles devem ser objetos de at.enção na hora de 
        fazer avaliações sobre a relevância e a eficácia 
        de cada- fórum nos quais os países sul-americanos participam. 
        
 Outra pergunta que deveria ser feita e cuja resposta exigiria mais evidência 
        empírica da que podemos dispor neste momento, é sobre se 
        a tendência à diplomacia presidencial multilateral e multiespacial 
        dos países sul-americanos implica alguma contribuição 
        para o fortalecimento dos esforços de integração 
        profunda entre grupos de países - novamente vemos os casos do Mercosul 
        e da Comtmidade Andina de Nações - ou se, pelo contrário, 
        pode diluir tais esforços. 
 Dentro da perspectiva antes descrita, é interessante abordar a 
        questão da institucionalização do espaço geográfico 
        regional sul-americano. Atualmente, ela está vinculada à 
        iniciativa de criár uma Comunidade Sul-Americana de Nações 
        e que agora foi denominada União de Nações Sul-Americanas 
        (Unasul), após uma reunião de cúpula energética 
        sul-americana, realizada nos dias 16 e 17 de abril de 2007, na ilha Margarita, 
        na Venezuela. Esta Comtmidade foi visualizada como uma forma de colaborar 
        para a criação de bens públicos regionais que contribuam 
        para a governabilidade da região. É uma contribuição 
        cuja evolução futura ainda está marcada por incertezas. 
       A idéia de uma Comunidade Sul- Americana de Nações 
        reconhece como um primeiro passo a Reunião de Cúpula SulAmericana 
        de Brasília, realizada no ano 2000 pelo governo do presidente Fernando 
        Henrique Cardoso. Foi baseada em iniciativas adota das anos antes pelo 
        Itamaraty. Dela participam os 12 países doespaço geográfico regional sul-americano. A sua proposta 
        original, na reunião de cúpula de Brasília, estava 
        fortemente vinculada ao desenvolvimento da infra-estrutura física 
        da região. Logo, foram sendo explicitados outros objetivos no campo 
        político, da integração energética e da convergência 
        dos díferentesesquemas sub regionais de integração; 
        realizados por países sul-americanos no âmbito mais amplo 
        da Associação Latino-Americana de Intepração 
        (Aladi).
 E um espaço geográfico com 361 milhões de habitantes, 
        um produto bruto de mais de um trilhão de dólares, com exportações 
        da ordem de 200 bilhões de dólares, com 25% da água 
        doce do planeta, 8 milhões de quilômetros quadrados de bosques 
        e uma enorme capacidade atual e potencial de produção de 
        alimentos, hidrocarbonetos, bíocombustíveis e recursos minerais. 
        São dados que explicam o interesse que algumas economias emergentes 
        como a China, a Índia e a África do Sul, entre outras, estão 
        demonstrando pela região.  Esta Comunidade - e a diplomacia presidencial multilateral através 
        da qual se procura a sua instihlcionalização - terá 
        sentido se conseguir refletir diferentes realidades e se gerar impulsos 
        políticos de alto nível em hmção de diretrizes 
        com objetivos concretos. É possível considerar que o espaço 
        sul-americano reúna a primeira dessas condições- 
        Demonstrar que pode cumprir a segunda condição é 
        o desafio que ainda não foi possível responder com a idéia 
        da Comunidade Sul-Americana ou Unasul.  Nem sempre isto se concretiza em um espaço geográfico regional. 
        O espaço europeu só consegtúu nos últimos 
        cinqüenta anos, especialmente após as sucessivas ampliações 
        do que hoje é a União Européia. Não conseguira 
        antes e ficou exposto a todas as conseqüências do predomínio 
        da lógica da fragmentação e do conflito e, em última 
        instância, da guerra. No espaço do Sudeste Asiático, 
        é o objetivo que está sendo perseguido com a idéIa 
        da criação da Asean, que deveria ser aperfeiçoada 
        até o ano 2015, conforme o que ficou acordado na última 
        Reunião de Cúpula da região realizada em Cingapura, 
        em novembro de 2007.  Sendo assim, é um fato que as Reuniões de Cúpula 
        Presidencial instalaramse privilegiando a diplomacia multilateral, inclusive 
        na América do Sul Mas sem desconsiderar o fato de proporcionarem 
        um espaço útil para o conhecimento e para o diálogo 
        entre os participantes, é certo que apresentam algum desgaste como 
        me~ canismo eficaz de construção de espaços de cooperação 
        entre as nações. Denominase "cumbritis" - o que 
        seria uma espécie de mal que afeta os protagonistas da intensa 
        diplomacia presidencial multilateral que, às vezes, pode explicar 
        ausências significativas. Mas, também, poderia estar afetando 
        os cidadãos que não percebem a sua eficiência. Isto 
        faz, elas perderem o seu potencial de divulgação. Muitas 
        vezes são qualificadas como "históricas" por quem 
        as impulsiona e, às vezes, é difícil imaginar seu 
        iiripacto real na construção de um espaço de cooperação 
        bi-regional.  Entretanto, se bem preparada, uma Reunião de Cúpula Presidencial 
        Sul-americana pode produzir resultados.úteis. No futuro, deveremos 
        avaliar suas eventuais contribuições efetivas em três 
        planos. Neles ficará evidente. a sua capacidàde de gerar 
        impulsos políticos de alto nível para questões relevantes, 
        resultado do fato de seus participantes pertencerem a um espaço 
        geográfico que é comum e também inevitável. 
       O primeiro plano é o do desenvolvimento de condições 
        que facilitem a estabilidade política em uma região diferenciada 
        e multipolar. Diferenciada no que diz respeito aos graus de desenvolvimento 
        econômico dos países que a formam. Mas também no que 
        se refére às visões sobre a inserção 
        no mtmdo e os caminhos que conduzem à afirmação de 
        sistemas democráticos baseados na coesão social. Multipolar, 
        pelas respectivas capacidades e vocações de exercer uma 
        liderança regional. Como já foi destacado, nenhuma nação 
        tem as condições necessárias para uma liderança 
        hegemônica na região sul-ameri.cana. A construção 
        de um espaço comum no qual caibam as diversidades é uma 
        tarefa coletiva que requer mais vocação de concertação 
        de interesses do que de conhontação, seja de ideologias 
        ou de personalidades.  O segundo plano é o das questões econômicas da agenda 
        regional. Três são prioritárias. Uma é a da 
        integração física; implica criar impulsos políticos 
        necessários para o desenvolvimento de projetos de infra-estrutura 
        que aproflmdem a conexão entre as economias nacionais. A outra 
        é a da energia. Assim como no espaço europeu, criar bases 
        institucionais com regns efetivas que estimulem os investimentos e garantam 
        os abastecimentos transhonteiriços comprometidos é, hoje, 
        uma questão de impacto na segurança dos países e, 
        portanto, fundamental para a estabilidade política de uma região. 
        E a terceira, é a da convergência dos múltiplos acordos 
        comerciais preferenciais que existem na América do Sul, todos eles 
        realizados no âmbito mais amplo da Aladi.  O terceiro plano é o já mencionado da institucionalização 
        da agora denominada Unasul. Esta instihlcionalização ainda 
        não é resultado de um lratado. Bom que seja assim. Seria 
        positivo evitar a tentação de avançar em criações 
        institucionais complexas, úteis para a mídia, mas pobres 
        em resultados práticos. O Grupo dos 8, por exemplo, exerce sua 
        influência sem que as nações mais poderosas o tenham 
        formalizado em um tratado. Pelo contrário, o importante é 
        conseguir que as Reuniões de Cúpula periódicas sejam 
        um fator de impulso político para as ações multimodais 
        que podem ser concretizadas ou, por exemplo, com instrumentos ad-hoc - 
        o que poderia ser, no âmbito energético, o equivalente ao 
        Tratado da Carta da Energia, criado na Europa - ou com o aproveitamento 
        de vários acordos já existentes, corno o Mercosul e a Comunidade 
        Andina de Nações, incluindo seus respectivos instrumentos 
        e regras de jogo.  Entretanto, a idéia da Comunidade Sul-americana de Nações 
        (ou Unasul) apresenta um risco importante, não devemos subestimá-lo. 
        Também poderia representar uma tentação: terminar 
        diluindo os compromissos exigíveis já assumidos no Mercosul, 
        que continua sendo, apesar de suas dificuldades, o principal núcleo 
        duro para a articulação de um espaço geográfico 
        regional que resista a tendências para a fragmentação 
        e o conflito.  O futuro da relação estratégica bilateral A qualidade da relação estratégica bilateral entre 
        a Argentina e o Brasil se expressa em três lúveis: construção 
        de um Mercosul eficaz e crível, sua articulação com 
        o desenvolvimento de um espaço geográfico regional sul-americano 
        no qual prevaleça a lógica da integração e 
        a inserção eficaz dos respectivos países e da região 
        sul-americana na disputa global pelo poder, pelos mercados, investimentos 
        e recursos nahlrais.  A transformação do Mercosul é, talvez, mais prioritário, 
        condiciona, em boa parte, os outros dois aspectos. Sob a iniciativa dos 
        presidentes Alfonsín e Sarney nos anos 1980, a idéia de 
        uma associação estratégica entre os dois países 
        se transformou no ponto central de suas respectivas políticas externas; 
        logo foi institucionalizada no Mercosul, após a assinatura do Tratado 
        de Assunção, em 1991. Mais de 15 anos depois, percebe-se 
        claramente nos dois países sócios deste empreendimento sub-regional, 
        a necessidade de proceder ao seu aggiornamiento. A idéia de colapso 
        do Mercosul não é valorizada por nenhum dos respectivos 
        governos, mas parece inegável que são necessárias 
        iniciativas concretas que permitam, através de metodologias flexíveis 
        e de uma geometria variável, aumentar a eficiência, precisar 
        a sua identidade e renovar a sua legitimidade social. A entrada da Venezuela 
        aumenta ainda mais a importância de trabalhar estas frentes. Um 
        fracasso do Mercosul ou seu desvio cada vez maior para a irrelevância 
        poderia ter efeitos - negativos na qualidade das relações 
        entre os seus sócios, especialmente entre a Argentina e o Brasil 
        que, por sua dimensão, devem desempenhar um papel-chave no seu 
        desenvolvimento.  Mas o Mercosul só é parte de um mosaico institucional maior, 
        que abrange a totalidade do espaço geográfico regional sul-americano. 
        É aqui onde tem a maior importância, por um lado a articulação 
        do Mercosul com o Chile e com a Comunidade Andina de Nações 
        e, por outro, o desenvolvimento da idéia de uma Comunidade Sul-Americana 
        de Nações (Unasul), cujos pontos principais tendem a ser 
        - pelo menos em uma primeira etapa - a integração física 
        e a energia, incluindo o desenvolvimento de fontes alternativas baseadas, 
        por exemplo, no desenvolvimento nuclear e nos biocombustíveis. 
       Na medida em que se consiga articular as relações bilaterais 
        entre a Argentina e o Brasil em tomo de um Mercosul concebido como um 
        conjunto mínimo de disciplinas e regras de jogo, elas poderão 
        ser um eficaz núcleo duro de governabilidade do espaço sul-americano. 
        Então, será factível que o desenvolvimento, por parte 
        de ambos os países, de inserção ativa no espaço 
        global não se traduza na geração de fatores que criem 
        tensões recíprocas.  A profundidade de tais relações que são, poi sua 
        vez, inevitáveis, dinâmicas e não-excludentes, requer, 
        portanto, construções institucionais que respondam a critérios 
        de previsibilidade no comportamento dos sócios e de flexibilidade 
        nos instrumentos a ser utilizados. Este aspecto apresenta, talvez, um 
        dos principais desafios futuros para as diplomacias de ambos os países. 
       Tradução Miriam Xavier  |