|  A próxima Cúpula do Mercosul em Ouro Preto coincidirá 
        com a passagem do décimo aniversário da aprovação 
        da tarifa externa comum. Junto com a total eliminação de 
        tarifas e restrições não-tarifárias ao comércio 
        recíproco, a tarifa externa foi concebida como um dos instrumentos 
        medulares do Tratado de Assunção e é um passo prévio 
        à etapa mais vigorosa de construção de um mercado 
        comum.  Uma das premissas explicitadas na negociação destes instrumentos 
        medulares era o avanço na coordenação macroeconômica 
        e na integração setorial. Nestes 10 anos não se logrou 
        avançar em nenhum dos dois casos. Tampouco houve avanço 
        no desenvolvimento dos outros elementos do mercado comum, conforme sua 
        definição no artigo 1° do pacto constitutivo. Seria 
        então válido considerar que, em boa medida, este pacto constitutivo 
        plasmado no Tratado de Assunção foi superado pela realidade. 
       Também completou 10 anos o Protocolo de Ouro Preto que estabeleceu 
        uma estrutura institucional com órgãos, processos de criação 
        normativa e efeitos jurídicos das regras aprovadas por consenso. 
        Esta estrutura evoluiu recentemente com a Presidência do Comitê 
        de Representantes Permanentes e a Secretaria Técnica. A idéia 
        subjacente seria, ao que se sabe, que esses dois órgãos 
        se incorporassem a uma nova versão de tal Protocolo que seria conhecido 
        como Ouro Preto II. Perspectivas para avaliar a experiência acumulada A experiência acumulada com o Mercosul desde a sua criação 
         inclusive desde o desenvolvimento a partir de 1985 da etapa bilateral 
        do processo de integração entre a Argentina e o Brasil , 
        e especialmente nestes 10 anos de vigência da tarifa externa comum, 
        pode ser apreciada em pelo menos três perspectivas complementares. A primeira é a política. Está relacionada com a 
        marca das relações estabelecidas por quatro países 
        que são vizinhos e, nas duas últimas décadas, fortaleceram 
        suas conexões em todos os planos. Trata-se de relações 
        hoje dominadas pela lógica da integração diante de 
        fatos comuns na História de países vizinhos em todo o mundo, 
        ou seja, o predomínio da lógica da fragmentação 
        e, em última instância, da lógica do domínio 
        hegemônico, com, inclusive, a absorção por um deles. 
        Isso ocorreu com maior freqüência nos subsistemas internacionais 
        marcados por profundas assimetrias de poder e dimensão econômica 
        entre os vizinhos. A verdade é que, extrapolando as tensões ocasionais e os 
        naturais conflitos comerciais, consolidouse entre os sócios do 
        Mercosul e entre estes e seus principais associados, o Chile e a Bolívia, 
        a idéia de um bairro que aspira a revestir-se de qualidade, 
        com confiança recíproca e boas maneiras. Trata-se da noção de uma zona de paz cujo valor internacional 
        cresce na medida em que se possa concebê-la como um núcleo 
        sólido da estabilidade política sul-americana. É 
        um bem público que deve ser preservado e cultivado mediante o exercício 
        sutil de uma diplomacia de integração  não 
        só governamental mas também dos atores sociais  e 
        a tecedura perseverante de uma forte rede de conectividade em todos os 
        planos, e não apenas no econômico e comercial, posto que 
        a História universal, além de muitas experiências 
        contemporâneas, assinala que costuma ser mais fácil retroceder 
        do que avançar no que respeita à orientação 
        e à qualidade das relações entre países vizinhos. 
       Até que ponto um eventual colapso do Mercosul ou o seu declínio 
        para um plano de acentuada irrelevância econômica teria o 
        efeito de deteriorar este resultado político é uma questão 
        que merece a reflexão de todos os que apreciam a inserção 
        de cada um de nossos países em um subsistema regional dominado 
        pela lógica da integração e não pela da fragmentação, 
        ou seja, por aqueles que valorizam a inserção em um bairro 
        de qualidade. A segunda perspectiva para uma avaliação do Mercosul é 
        a do intercâmbio comercial. Esta guarda relação primordialmente 
        com os fluxos de comércio de bens entre os sócios. Neste 
        plano têm-se observado, nos anos de experiência acumulada, 
        Os conflitos no Mercosul desnorteiam a opinião pública, 
        que recebe mensagens contraditórias entre uma aliança épica, 
        cheia de virtudes, e as disputas hoje por geladeiras, ontem por têxteis 
        e calçados, amanhã por automóveis e autopeças 
        flutuações que podem ser explicadas fundamentalmente por 
        disparidades no comportamento das respectivas economias  especialmente 
        as do Brasil e da Argentina  e, às vezes, também por 
        fortes disparidades cambiais. Até que ponto o comércio recíproco e suas flutuações 
        nos últimos anos podem dever-se à existência do Mercosul 
        e de suas regras de jogo e em que medida são o resultado natural 
        da contigüidade geográfica de economias que na década 
        de noventa se abriram para o mundo e não apenas para a região? 
        Esta é uma pergunta que ainda precisa ser respondida com precisão 
        e evidência empírica, a fim de permitir o esclarecimento 
        de efeitos comerciais negativos e positivos que costumam ser atribuídos 
        ao Mercosul. A terceira perspectiva é a do investimento produtivo. Esta é 
        provavelmente a mais importante, do ponto de vista político e não 
        só econômico. Significa visualizar o Mercosul como um instrumento 
        de transformação produtiva de cada país membro e, 
        conseqüentemente, de incorporação de progresso técnico 
        e geração de emprego qualificado. Tem a ver com a capacidade 
        de competição em escala global e não apenas regional. 
        É o que dá sentido, aos olhos de seus cidadãos, à 
        idéia que tanto se difundiu nos momentos basilares de abertura 
        para todos do acesso a um mercado de mais de duzentos milhões de 
        consumidores.  É nesta última perspectiva que o Mercosul, após 
        10 anos de uma união aduaneira ainda incompleta, suscita mais perguntas 
        do que respostas ao empresariado, sobretudo de pequeno ou médio 
        porte, que avalia a conveniência de investir em função 
        do espaço econômico prometido. São perguntas estimuladas 
        por uma vivência de regras precárias, um debate existencial 
        contínuo sobre a conveniência do Mercosul e suas modalidades 
         zona de livre comércio ou união aduaneira? , 
        um campo de jogo desnivelado e pouca transparência dos mecanismos 
        de negociação.  Na visão de um investidor potencial, nacional ou estrangeiro, 
        são três as perguntas fundamentais que esperam respostas 
        claras dos países membros. Todas elas se referem ao potencial do 
        Mercosul como processo formal de integração orientado para 
        a constituição de um genuíno incentivo institucional 
        e econômico ao investimento produtivo.  São estas as perguntas: Os sócios  principalmente 
        os dois de maior dimensão econômica  estão dispostos 
        a acatar disciplinas coletivas que restrinjam sua liberdade para aplicar 
        discricionariamente políticas públicas em matéria 
        de desenvolvimento econômico, comércio exterior e investimento 
        produtivo?  Em que consiste a preferência econômica entre os sócios 
        e em que ela consistirá caso se concluam as negociações 
        com a União Européia e com os Estados Unidos  quer 
        no contexto da chamada Alca ou eventualmente em um formato 4+1 , 
        ou ainda, em outras palavras, que vantagens econômicas derivadas 
        do privilégio de ser um membro pleno diferem das concedidas a países 
        com os quais Mercosul se associa mediante acordos preferenciais nos âmbitos 
        latino-americano, hemisférico, bi-regional ou global?  Como se garante o respeito à preferência econômica 
        pactuada entre os sócios? Quem investe, por exemplo, no Uruguai 
        ou no Paraguai, em função do espaço integrado, goza 
        das mesmas garantias de acesso aos mercados dos demais sócios  
        especialmente da Argentina e do Brasil  que tem hoje quem investe 
        na Lituânia ou na Eslovênia em função do mercado da União 
        Européia?  Em dezembro próximo, muitos empresários  sobretudo 
        de pequeno e médio porte  e seus empregados procurarão 
        nos resultados da Cúpula de Ouro Preto pelo menos um começo 
        de resposta a estas perguntas. Vão procurar tais respostas na adoção 
        de compromissos exigíveis que não possam ser facilmente 
        deixados de lado. Conforme as respostas, os empresários vão 
        se inclinar ou não a levar a sério o Mercosul, ou seja, a investir em função 
        do mercado ampliado. Questões relevantes para um Mercosul com futuro Desde a origem do processo de integração, as relações 
        entre a Argentina e o Brasil têm sido um fator fundamental para 
        sua vitalidade e credibilidade. No momento, pelo menos duas tendências 
        parecem coexistir nestas relações no tocante ao Mercosul. Por um lado, observa-se a persistência de uma clara vontade política 
        de continuar construindo o espaço de integração econômica 
        como parte das estratégias mais amplas de inserção 
        de cada país no mundo e na região sul-americana. Os Presidentes 
        Kirchner e Lula assim o manifestaram reiteradas vezes.  Por outro lado, são notórias as dificuldades metodológicas 
        surgidas nos últimos anos no desenvolvimento do processo de integração. 
       A nosso ver, as deficiências metodológicas são sentidas 
        principalmente na capacidade institucional para administrar desajustes 
        transitórios ou estruturais que geram conflitos comerciais entre 
        os sócios e para produzir regras de jogo que, ao mesmo tempo que 
        refletem os interesses nacionais dos países membros  no pressuposto 
        de que estejam corretamente definidos , tenham um forte potencial 
        de penetração na realidade, isto é, de cumprimento 
        (critério de efetividade das regras) e de consecução 
        portanto dos objetivos que com elas se procura alcançar (critério 
        de eficácia).  Tais regras são essenciais para fazer avançar a construção 
        gradual do Mercosul e, em particular, para efetuar as adaptações 
        exigidas pelas contínuas mudanças na realidade externa e 
        interna dos países membros. Sua efetividade e eficácia são, 
        por outro lado, fundamentais para a aceitação social dos 
        compromissos assumidos, pelo fato de serem percebidas como geradoras de 
        um quadro de proveito mútuo para os sócios (critério 
        de legitimidade social).  O certo é que os recentes conflitos comerciais entre as duas principais 
        economias da área evidenciaram, mais uma vez, que o Mercosul os 
        maneja mal. Poder-se-ia dizer que ele tem um mau aparelho digestivo. 
        À semelhança do que ocorreu outras vezes, neste caso também 
        foram geradas tensões de forte impacto social, as quais eram, inclusive, 
        desproporcionais à magnitude dos fluxos de comércio envolvidos. 
        Tais conflitos desnorteiam a opinião pública, que recebe 
        mensagens contraditórias entre uma aliança épica, 
        cheia de virtudes e as disputas, hoje por geladeiras, ontem por têxteis 
        e calçados, amanhã por automóveis e autopeças.  O aspecto favorável é que as diferenças logo se 
        diluem e deixam de ser notícia. O desfavorável é 
        que elas contribuem para uma erosão paulatina da imagem do Mercosul 
        e aprofundam sua perda de credibilidade. E será ainda pior se os 
        sócios não tiverem  e nenhum parece ter  um 
        plano B sustentável, isto é, um plano viável 
        de inserção econômica internacional que por sua vez 
        contribua para a consolidação de uma região sul-americana 
        dominada pela lógica da integração e, portanto, pela 
        paz e pela estabilidade política no contexto do predomínio 
        da legitimidade democrática em cada um dos países que a 
        conformam.  Convém então que haja uma discussão serena e um 
        diagnóstico preciso. O que vai mal no Mercosul? A idéia 
        estratégica ou a forma de implementá-la?  Não obstante as afirmações contundentes feitas no 
        calor do debate público  como a de que o Mercosul fracassou 
        e outras semelhantes , não se observa em nenhum dos sócios 
        uma posição firme em relação ao abandono da 
        idéia que o Mercosul encarna. Conforme antes se assinalou, pelo 
        menos nos atuais governos tal hipótese está descartada. 
        Ela tampouco cala fundo na opinião pública. Isso talvez 
        ocorra porque todos temos consciência do sabor amargo que teria 
        um fracasso, bem como do descrédito internacional e de suas conseqüências 
        no complicado cenário sul-americano. Mas se o reconhecimento de 
        tal fracasso se tornasse indispensável, dificilmente se deixaria 
        de logo criar algo parecido com o Mercosul. E alguém acreditaria 
        nele?  Apesar das aparências, o debate não parece ser de natureza 
        existencial. Estaria mais centrado em como levar a cabo o trabalho conjunto 
        entre os sócios, isto é, no aspecto metodológico. 
        Seu eixo passa por uma questão central em um processo de integração 
        voluntária entre nações vizinhas e de poder relativo 
        desigual: como distribuir os custos e benefícios ou, em outros 
        termos, como resolver a questão de quem ganha e quem perde.  O equacionamento desta questão é simples de definir e difícil 
        de pôr em prática. Trata-se, certamente, de que todos percebam 
        que ganham mais estando dentro do clube do que fora dele. Mas o problema 
        no Mercosul é que, dadas as assimetrias de tamanho, as competitividades 
        relativas, as situações macroeconômicas conjunturais, 
        há recorrentemente aqueles que percebem, ou acreditam perceber, 
        que são perdedores sistemáticos. Pode se tratar de países 
         o caso do Paraguai ou do Uruguai  ou de setores industriais 
        ou agrícolas sensíveis de qualquer dos sócios.  Costuma-se afirmar que a solução estaria no retrocesso 
        do Mercosul para uma zona de livre comércio. Esta solução, 
        em teoria, seria cabível. Na prática, suscita enormes problemas. 
        Não há zona de livre comércio moderna sem regras 
        de origem específicas. As zonas de comércio conhecidas e 
        que proliferaram nos últimos anos na região e em outras 
        partes deixam claro que é com regras de origem específicas 
        que se faz a discriminação entre sócios e não-sócios. 
       Cabe a respeito formular esta pergunta: Seria fácil negociar regras 
        de origem específicas dentro de um clima de insucesso do processo 
        em curso no Mercosul? E por acaso os problemas recorrentes observados 
        nos últimos anos não têm origem precisamente no comércio 
        intra-Mercosul de bens e serviços, devido em boa parte à 
        impossibilidade de concretizar as premissas acima referidas  coordenação 
        macroeconômica e integração produtiva setorial  
        explicitadas quando da negociação do Tratado de Assunção? 
        Acredito que a abordagem profunda do debate metodológico é 
        inadiável. Convém baseá-lo em um diagnóstico 
        dos problemas sensíveis, realizá-lo por meio de um diálogo 
        franco e da negociação e colocá-lo na perspectiva 
        de um salto à frente. Não se trata de um salto para um vazio 
        cheio de ilusões, de uma nova quimera, mas, antes, de um salto 
        no sentido de regras com mais qualidade e realismo do que as atuais.  O debate metodológico há de exigir muita liderança 
        política e criatividade técnica. Pelo fato de o Brasil ser 
        o país de maior dimensão econômica e exercer no semestre 
        corrente a presidência pro-tempore do Mercosul, cabe-lhe importante 
        responsabilidade.  Neste contexto, é importante destacar que se observa uma atitude 
        cada vez mais cética de parte de empresários e economistas 
        brasileiros em relação ao Mercosul. Numerosos artigos de 
        especialistas e editoriais dos principais jornais a põem em evidência. 
        Do ponto de vista da estratégia negociadora dos demais sócios, 
        porém com destaque para o da Argentina, convém que se procure 
        entender a perspectiva predominante no Brasil em relação 
        ao Mercosul, tal como exteriorizada na imprensa do país, pelo menos. 
       Citam-se a seguir alguns elementos do diagnóstico que prevaleceriam 
        em setores brasileiros relevantes, especialmente naqueles que poderiam 
        ser considerados como os mais céticos acerca do Mercosul:  
        Os conflitos comerciais do Mercosul devem-se fundamentalmente a deficiências 
          estruturais que afetam a competitividade relativa de setores industriais 
          da Argentina; seriam uma conseqüência das próprias 
          políticas econômicas aplicadas nos últimos anos 
          e da falta de resposta do empresariado às oportunidades abertas 
          tanto no mercado brasileiro como, ainda, no dos demais sócios 
          e do Chile. 
 
O fato de a balança comercial bilateral ser agora deficitária 
          para a Argentina e de a tendência ser de ampliação 
          da brecha é que estaria levando o Governo argentino a aplicar 
          medidas protecionistas, violando inclusive as regras pactuadas; caberia 
          esperar mais protecionismo no futuro. 
 
A Argentina não estaria, pelo menos no curto prazo, em condições 
          de superar as deficiências de competitividade relativa observadas 
          em vários de seus setores industriais. 
 
O mercado argentino é mais atraente agora do que há 
          dois anos, porém teria perdido importância relativa comparativamente 
          com outros mercados de exportação para os setores industriais 
          brasileiros, inclusive no setor automotriz. 
 
No pior dos cenários, na Argentina os produtos de origem brasileira 
          só poderiam perder a preferência comercial resultante do 
          Mercosul; jamais receberiam um tratamento mais restritivo do que o aplicado 
          a terceiros países; em muitos casos os produtos brasileiros poderiam 
          competir no mercado argentino, mesmo sem a preferência comercial; 
          dificilmente haveria um cenário em que a Argentina aumentaria 
          drasticamente suas restrições às importações 
          de todas as origens, exceto no caso de alguns setores muito sensíveis. 
          
 
Nas condições atuais, seria difícil para a Argentina 
          admitir a idéia de uma integração econômica 
          mais profunda com o Brasil, isto é, de avançar na linha 
          de um mercado único. 
 
A capacidade do Brasil de lançar uma âncora à 
          Argentina em matéria de investimentos diretos e de financiamento 
          de investimentos industriais é relativamente limitada. 
 
Todavia, preservar o Mercosul é para o Brasil um objetivo valioso 
          de sua política externa particularmente útil às 
          suas negociações comerciais internacionais, dado o efeito 
          de legitimidade social de um eventual acordo de livre comércio 
          com os Estados Unidos. Mas, acima de tudo, é primordial para 
          o Brasil cooperar para que a Argentina possa finalmente superar suas 
          atuais dificuldades. 
 
Em síntese: o Mercosul e a Argentina teriam hoje um valor relativo 
          para o desenvolvimento econômico do Brasil  inclusive para 
          a estratégia de inserção internacional de suas 
          empresas  menor do que o que tinham no começo do processo; 
          trata-se de um mercado em que as empresas brasileiras poderiam competir 
          mesmo sem preferências comerciais; o maior interesse em preservar 
          o Mercosul é dos responsáveis pela estratégia internacional 
          e pela política externa brasileira, em particular, no que respeita 
          ao espaço sul-americano, às relações com 
          os Estados Unidos e às negociações comerciais internacionais 
          (embora hoje menos do que antes). No momento, isto é, neste segundo semestre de 2004, conviria aparentemente 
        focalizar a agenda negociadora em relação ao Mercosul em 
        pouquíssimas questões centrais. Isso, porém, sem 
        prejuízo das ações que forem desenvolvidas no espaço 
        sul-americano mais amplo, especialmente em matéria de livre comercio 
        com a Comunidade Andina de Nações, de integração 
        energética e de infra-estrutura física. As questões 
        centrais de uma agenda de ação imediata do Mercosul poderiam 
        envolver principalmente o seguinte:  
        O estabelecimento de algum tipo de mecanismo de flexibilização 
          pautada e temporária das regras de jogo aplicáveis ao 
          comércio intra- Mercosul. Uma hipótese máxima seria 
          o restabelecimento de cláusulas de salvaguarda mediante uma Decisão 
          do Conselho do Mercosul. Conviria evitar que lhes fosse dado um caráter 
          de relativa automaticidade, inclusive para prevenir uma avalanche de 
          demandas por parte de setores industriais. Poder-se-ia atribuir um papel 
          à Secretaria do Mercosul na análise técnica da 
          situação concreta que requeresse flexibilização 
          temporária. Uma hipótese mínima compreenderia a 
          obrigação de consulta entre os sócios e a liberação 
          das medidas concretas acordadas entre os governos, com a participação 
          dos respectivos setores empresariais. Precedentes a serem levados em 
          conta na elaboração de regras de jogo do Mercosul na matéria 
          poderiam ser os mecanismos ao estilo do artigo 22 do Acordo de Complementação 
          Econômica 14 (1) e dos artigos 26, segundo parágrafo, e 
          107 do velho Tratado de Roma. (2) Haveria a vantagem de eliminar-se 
          o argumento que o Governo brasileiro tem invocado toda vez que assinala 
          que um acordo voluntário de restrição de exportações 
          seria vulnerável à luz de sua legislação 
          de defesa da concorrência. Uma norma do Mercosul permitiria dar 
          cobertura jurídica a tais restrições voluntárias 
          e facilitaria um controle eficaz por parte dos governos. 
 
A atribuição de grande ênfase e prioridade política 
          a acordos formais orientados para a integração de cadeias 
          de valor, seja no contexto dos atuais foros de competitividade, seja 
          utilizando a Decisão CM 3/91 que continua vigente ou gerando 
          um novo marco normativo. A criação de facilidades financeiras 
          para projetos desenvolvidos em virtude de acordos de integração 
          produtiva poderia ser inclusive uma das resultantes da cooperação 
          econômica que finalmente derivasse da associação 
          bi-regional com a União Européia. 
 
O enfrentamento da questão da tarifa externa comum utilizando 
          toda a flexibilidade que o artigo XXIV-8 do Gatt-1994 admite. 
 
A aprovação de programas de integração 
          solidária em relação ao Paraguai e ao Uruguai que 
          signifique o reconhecimento de um Mercosul de geometria variável 
          e múltiplas velocidades, no que concerne tanto ao comércio 
          intra-Mercosul como ao AEC. 
 
A elaboração de um código de conduta em matéria 
          de incentivos ao investimento e ao comércio intra-Mercosul segundo 
          as linhas, por exemplo, do disposto a respeito dos investimentos no 
          acordo de comércio interno do Canadá, de 1994. (3)  Estas e outras questões relacionadas com o funcionamento das instituições 
        do Mercosul deveriam ser parte necessária de um vigoroso debate 
        entre os países membros e dentro de cada um deles acerca do futuro 
        de um processo de integração regional concebido como funcional 
        para a transformação produtiva conjunta e a inserção 
        competitiva na economia global. A participação dos empresários 
        e demais setores da sociedade civil, no âmbito especialmente de 
        foros conjuntos do Mercosul, contribuiria para que tal debate refletisse 
        os interesses às vezes diversos de todos os protagonistas relevantes 
        de cada país membro. A recente criação da Coalizão 
        Empresarial Argentina-Brasil poderia propiciar um espaço adequado 
        para a análise e articulação de consensos em torno 
        de novas modalidades operacionais do Mercosul, sem prejuízo da 
        participação prevista de empresários dos outros dois 
        sócios e, eventualmente, também dos países associados. 
       Transparência: qualidade valiosa porém escassa no Mercosul? 
        A questão da transparência em seus processos de decisão 
        requer hoje uma atenção especial no debate sobre o futuro 
        do Mercosul.  De fato, a transparência é uma qualidade propagada nos últimos 
        anos nas negociações comerciais internacionais. Um espaço 
        de negociação que não seja transparente passa a ser 
        visto como antiquado e próprio de um mundo que se acabou. Estes 
        dois fatores, pelo menos, estimularam tal mudança: a internet e 
        as demandas da sociedade civil e de suas organizações. Eles 
        se potencializam mutuamente e parecem irreversíveis.  As páginas virtuais de organismos internacionais e de governos 
        permitem cada vez mais o acesso em tempo real a informações 
        relevantes para o entendimento do que está sendo negociado e da 
        posição oficial dos negociadores. Poder-se-ia inclusive 
        afirmar que a qualidade de um organismo ou de uma repartição 
        pública  à semelhança da que caracteriza as 
        empresas e demais instituições  transparece na sua 
        página web.  Quando existe transparência  o que nem sempre é o 
        caso  há benefícios políticos (facilitam-se 
        a participação de setores interessados e a construção 
        da necessária legitimidade social), econômicos (permite-se 
        às empresas traçar tempestivamente suas estratégias 
        de adaptação a novas condições de concorrência 
        econômica) e culturais (demonstram-se as virtudes da aliança 
        implícita entre a idéia de uma sociedade aberta e as tecnologias 
        da informação).  No que respeita à transparência, o Mercosul ainda não 
        transpôs toda a linha divisória entre antiguidade e modernidade. 
        Qualquer usuário da internet poderá falar do quanto é 
        difícil obter informações atualizadas sobre o que 
        nele se negocia. Os textos das propostas de novas regras sobre temas relevantes 
        somente são conhecidos depois de aprovados. Isso afeta inclusive 
        a eficácia de mecanismos como o Foro Consultivo Econômico 
        e Social. A palavra reservado é de uso comum nos anexos 
        às pautas de reuniões técnicas e mesmo quando se 
        trata do Grupo Mercado Comum e da Comissão de Comércio. 
        O relatório semestral da Secretaria Técnica  um excelente 
        diagnóstico do estado atual do Mercosul e dos problemas por ele 
        enfrentados  saiu de sua página web depois de haver sido 
        divulgado. Uma boa notícia publicada  quaisquer que sejam 
        as razões que a expliquem  foi a da oferta que o Mercosul 
        encaminhou à União Européia. Melhor notícia 
        ainda teria sido a de que o projeto de acordo com todos os seus componentes 
        também estava na internet.  É difícil dissociar a transparência das idéias 
        de mudança e de progresso. Extrapolando idades e ideologias, a 
        transparência permite distinguir os negociadores que valorizam a 
        opinião de seus cidadãos daqueles que, mesmo sem disso se 
        darem conta, não o fazem.  Para melhorar a qualidade institucional do Mercosul  objetivo de 
        claro sentido político e econômico caso se pretenda aumentar 
        sua credibilidade junto aos cidadãos, aos investidores e a terceiros 
        países , a consecução de níveis razoáveis 
        de transparência nos processos de elaboração de regras 
        de jogo é um dos desafios que precisa ser encarado com determinação 
        pelos países membros. O encontro de Ouro Preto, em dezembro, dá 
        oportunidade para passos concretos também neste plano.  
 
        (1) O texto do ACE 14 entre a Argentina e o Brasil pode ser consultado 
        em www.aladi.org.uy. 
        Seu artigo 22 assim estabelece: Ambos os países procurarão 
        promover o aproveitamento equilibrado e harmônico dos benefícios 
        do presente Acordo e adotarão, para tal fim, através do 
        Grupo Mercado Comum Argentina-Brasil, as medidas pertinentes para a correção 
        de eventuais desequilíbrios no aproveitamento desses benefícios 
        e para a expansão do intercâmbio, visando a assegurar condições 
        eqüitativas de mercado, o máximo aproveitamento dos fatores 
        de produção, o incremento da complementação 
        econômica, o desenvolvimento equilibrado e harmônico dos dois 
        países e a inserção competitiva de seus produtos 
        no mercado internacional.  (2) O artigo 26, segundo parágrafo, do Tratado de Roma de 1957 
        dispõe o seguinte: A autorização só 
        pode ser concedida por um período limitado e unicamente para um 
        conjunto de posições pautais que não representam 
        para o Estado em causa mais de 5% do valor das suas importações 
        provenientes de países terceiros e efetuadas durante o último 
        ano de que existam dados estatísticos (o grifo é nosso). 
        Esta disposição refere-se ao previsto no parágrafo 
        primeiro no sentido de que é facultado à Comissão 
        autorizar um Estado membro que estiver enfrentando dificuldades particulares 
        a diferir a modificação de certas posições 
        tarifárias. Por sua vez, o artigo 107, além de prever que 
        cada Estado membro trata sua política em matéria de taxa 
        de câmbio como um problema de interesse comum, estabelece que, no 
        caso de um país membro proceder a uma modificação 
        da taxa de câmbio que não se ajuste aos objetivos comuns 
        definidos pelo próprio Tratado em seu artigo 104, a Comissão 
        poderá autorizar os demais Estados membros a adotar as medidas 
        necessárias, por um período rigorosamente limitado, nas 
        condições e modalidades por ela definidas, a fim de limitar 
        as conseqüências de tal ação.  (3) O acordo de comércio interno do Canadá foi firmado 
        em 18 de julho de 1994. Seu texto pode ser consultado em www.intrasec.mb.ca/eng/ait.htm. 
        O conteúdo deste acordo define o conceito de incentivos de maneira 
        ampla, incluindo mecanismos fiscais, creditícios, de participação 
        acionária e outros, proíbe incentivos que impliquem ou produzam 
        a realocação de uma empresa de uma província a outra 
        e define alguns tipos de incentivos cuja utilização deveria 
        ser evitada (embora estes não sejam formalmente proibidos). |