| Insuficiências iurídico-ínstitucionais no Mercosul  O Mercosul é um projeto vitorioso, no que dizrespeito ao seu 
        impacto no crescimento do comércio e dos investimentos e na sua 
        presença e imagem internacional. Apesar de seu enfoque ter sido 
        predominantemente econômico, tem também um profundo sentido 
        político e estratégico, que se reflete na criação 
        de um âmbito regional de estabilidade, paz, liberdade e democracia. Entretanto, à medida que o seu desenvolvimento avança, 
        o Mercosul está colocando em evidência algumas insuficiências 
        jurídico-institucionais, às vezes por deficiência, 
        e outras por carência, que merecem uma reflexão e, sobretudo, 
        ação. Essas insuficiências são observadas com mais clareza em 
        situações como as que se manifestaram como conseqüência 
        de medidas provisórias do governo do Brasil, outorgando incentivos 
        especiais para o investimento automobilístico no Nordeste, Norte 
        e Oeste do país (MP n° 1532 de dezembro de 1996), e restringindo 
        o financiamento das importações, inclusive daquelas provenientes 
        dos países-sócios (MP n° 1569 de março de 1997). Não são insuficiências que estejam indicando, necessariamente, 
        uma fratura estrutural no edifício de cooperação 
        e integração econômica, cuja construção 
        os sócios fizeram, frente a partir da assinatura, ern 1391: cio 
        Tratado de Assunção. Mas, se não ícrem percebidas 
        a tempo, podem ter ura efeito parecido ao de uma Satura estrutural.  As situações ocorridas são situações 
        naturais, derivadas do próprro dinamismo que o comércio 
        e os investimentos estão adquirindo no Mercosui. Mas também 
        é certo que uma reiteração desse tipo de situação 
        e a tendência de negociar politica
        mente a solução de cada conflito comercial pode terminar 
        desgastando a credibilidade do Mercosui perante os investidores, cidadãos 
        e observadores externos. As defiáências surgem com mais nitidez, particularmente, 
        quando se apresen-
        tam controversas comerciais, ocasião em que se observa a existência 
        de normas infe, precisas e confusas (caso, por exemplo, da decisão 
        CMC n° 3/94 ou do acordo bilaterai automobilístico Argentina-Brasii, 
        de dezembro de 1994); a ausência de urna normativa eficiente (caso, 
        por exemplo, das restrições ao financiamento das importarções) 
        e, em particular, as dificuldades que existem para processar tais controvérsias 
        nos órgãos do Mercosui, sem necessidade de recorrer ao mais 
        alto nível político para encontrar uma solução. 
       A Comissão de Comércio tem conseguido resolver um número 
        significativo de
        questões comerciais. Mas aquelas mais importantes, devido ao seu 
        impacto econômico, tiveram um processamento somente por intermédio 
        de negociações políticas, muitas vezes fora dos órgãos 
        do Mercosui, tendo como resultado nem sempre uma solução, 
        mas sim um deferimento da respectiva controvérsia (entre outros, 
        o caso dos lubrificantes e dos produtos farmacêuticos). Somente em um caso conhecido entre o Uruguai e a Argentina é que 
        se recor-. reu aos mecanismos do Protocolo de Brasília, e fomos 
        informados de algumas outras apresentações de particulares 
        à respectiva Seção Nacional aplicando o artigo n° 
        25 do Protocolo. Nenhuma das situações significativas de 
        descumprimento dos compromissos jurídicos do Mercosui, bem como 
        nenhuma das questões de interpretação deram lugar 
        a ações originadas no Protocolo de Brasília. Essa tendência observada no Mercosui é diferente da que 
        se manifesta no Acordo de Livre Comércio entre o Canadá 
        e os Estados Unidos - o Nafta -, na União Européia e, inclusive 
        nos.dois últimos anos, na nova Organização Mundial 
        de Comércio. Em todos esses casos, governos e particulares consideram 
        normal recorrer aos mecanismos de solução de controvérsias 
        de um acordo comercial, quando se encara um conflito sujeito à 
        lei pela aplicação ou interpretação da normativa 
        jurídica estabelecida. Assumem, e com razão, que foram estabelecidos 
        para serem utilizados, e que a sua utilização não 
        implica animosidade política contra quem se considera que não 
        cumpriu os seus compromissos, mas sim, pelo contrário, permite 
        retirar a dramatici-dade política das diferenças por meio 
        do tratamento da matéria por especialistas, árbitros ou 
        juizes. Eles são o modo racional e civilizado de dirimir conflitos 
        comerciais sujeitos à lei. São observadas carências em outros casos, tais como cs de 
        serviços s compras governamentais, em relação aos 
        quais os governos ainda não negociaram regras de jogo que já 
        deveriam ter sido aprovadas, levando-se em consideração 
        a profunda assimetria que existe entre as condições de acesso 
        que as empresas brasileiras têm no mercado argentino (relativamente 
        mais aberto) e as dificuldades que, por sua parte, as empresas argentinas 
        experimentam para ingressar no mercado brasileiro (relativamente mais 
        fechado). Esta situação gera um desequilíbrio nos 
        interesses recíprocos que não estava previsto - ao menos, 
        par tanto tempo - quando os sócios se comprometeram a criar um 
        mercado comum, para o qual concordaram, de boa-fé, começar 
        imediatamente pelo comércio de bens, estando entendido que logo 
        seriam negociados também os serviços e as contas públicas, 
        como corresponde a um mercado' comum. Ao não ter sido iniciada 
        tal negociação - só se avançou .em trabalhos 
        técnicos e foi mencionada em diversas oportunidades o fato de que 
        se negociará no faturo, mas não existe um cronograma de 
        negociação estabelecido - o cumprimento do princípio 
        de reciprocidade que foi estabelecido no artigo n° 3 do. Tratado de 
        Assunção para o funcionamento do mercado comum está 
        sendo afetado. É preciso levar-se em consideração 
        que, sob o ponto de vista jurídico, o mercado comum já está 
        estabelecido a partir da finalização do período de 
        transição, sem. importar que sejam requeridos anos para 
        o seu completo desenvolvimento, como ocorreu no caso do Mercado Comum 
        Europeu. A importância econômica da questão jurídico-mstitucional A pergunta que surge nestes casos é se o processo de integração 
        está efetivamente orientado por regras objetivas, custodiada a 
        sua observância por mecanismos institucionais que contribuam para 
        reforçar disciplinas coletivas entre os sócios e limitar 
        a tentação natural a comportamentos unilaterais contrários 
        aos acordados. Esta é uma pergunta que diz respeito à eficiência 
        política e econômica do Mercosul. Com razão, a experiência histórica indica que a qualidade 
        das regras de jogo e das instituições em um processo de 
        integração como o Mercosui, mostra aos investidores o grau 
        de credibilidade que podem ter no que diz respeito ao mercado ampliado 
        que os países-sócios prometem. É em função 
        dessa credibilidade que serão definidas as suas estratégias 
        de investimento, produção e comercialização 
        na região. Quanto menos acreditem na solidez dos compromissos do 
        Mercosui, especialmente no caso das emergências econômicas, 
        gerais ou setoriais, maior será a sua tendência a localizar-se 
        no mercado de maior dimensão. Além disso, sabem que quanto menor seja a qualidade jurídica 
        e institucional do processo de integração, menor será 
        a capacidade dos governos para resistirem às pressões protecionistas 
        de setores que, às vezes, enfrentam séries problemas de-ajuste 
        na transformação produtiva e na abertura da mercado regional, 
        mas que, às- vezes, cambem procuram no atrase no cumprimento aos 
        prazos e na protelação des compromissos assumidos peios 
        sócios, uma forma prática de perpetuar situações 
        de inefi-ciências e da falta de vontade de competir. Compromete-se, 
        desta forma, o "efeito disciplina", que é uma das principais 
        contribuições dos acordos regionais de integração 
        para os países que deles participam, especialmente se são 
        países comuma tradição de instabilidade que tentam 
        assumir, internamente, ambiciosos planos de estabilização 
        e de transformação produtiva. É preciso levar em consideração que, geralmente, 
        a credibilidade da integração econômica na América 
        Latina tem sido baixa, conseqüência de muitos arios de frustração 
        produzidas por experiências como a Aíalc e o Grupo Andino, 
        e inclusive, pela Aíadi. Muitos têm a impressão de 
        que a América Latina praticou uma espécie de jogo de "integração-ficção", 
        com um discurso duplo entre a retórica e a efetividade normativa, 
        ao qual as regras de jogo e os prazos para a consecução 
        dos objetivos ficaram sistematicamente corroídos por um hiper-pragmatismo 
        na concepção do valor dos compromissos assumidos. Neste 
        sentido, o Mercosul não é imune ao que se pode chamar de 
        "vírus da aladificaçáo", isto é, 
        a idéia de que cs acordos são cumpridos apenas quando é 
        possível, pensamento que por muitos anos caracterizou a Alaic e 
        a Aíadi. Este pensamento se traduz em uma sensação 
        de precariedade que termina por desvalorizar a idéia da integração, 
        tirando sua eficácia e encaminhando-a para o "mu- seu das 
        irrelevâncias". Qualidade das regras do jogo e funcionalidade institucional A acumulação de controvérsias comerciais que não 
        são eficazmente processadas pelos mecanismos institucionais e que, 
        em muitos casos, originam-se de regras de jogo confusas - ou pela sua 
        ausência - pode afetar, entre os sócios, a percepção 
        de ganhos mútuos, sustento político do Mercosul e da sua 
        estrutura política.
        Algumas dessas controvérsias põem em jogo a solidez do compromisso 
        assumido de garantir o "acesso irrestrito aos respectivos mercados 
        em condições distintas às que se aplicam a terceiros 
        países" - por exemplo, no caso dos lubrificantes e dos produtos 
        farmacêuticos, ambos afetados por restrições náo-tarifárias 
        que já deveriam ter sido eliminadas, de acordo com o pacto original 
        - e a efetividade de uma "disci- plina coletiva em matéria 
        de promoção de investimentos como parte das disciplinas 
        coletivas em matéria de políticas macroeconômicas 
        e políticas comerciais" - por exemplo, no já mencionado 
        caso dos incentivos aos investimentos automobilísticos. Estes são 
        os dois pilares centrais do projeto de integração econômica. 
        Existem outros.  Mas, sem estes dois, o Mercosul fica exposto a situações 
        que podem afetar a sua credibilidade perante os investidores e, inclusive, 
        afetar a sua sobrevivência, a longo prazo. Além disso, são situações que podem estar 
        refletindo sérias debilidades metodológicas e institucionais. 
        Ou seja, falhas nos métodos de trabalho, na qualidade e na precisão 
        das regras do jogo, no valor que elas possuem como orientadoras do processo 
        e na mecânica de criação normativa e de aplicação 
        efetiva das regras acordadas. Os exemplos são numerosos e originam-se 
        no comportamento dos quatro sócios, particularmente, em matéria 
        de restrições não-tarifárias, na aplicação 
        real das regulações que fazem ao livre comércio e 
        à união aduaneira, na ausência de vávulas de 
        escape, na regulamentação de setores-chave, como o automobilístico. Observam-se duas posições extremas com relação 
        à questão institucional e das regras do jogo do Mercosul. 
        Uma é minimalista. Considera que a integração é 
        um processo de negociação contínua, que requer um 
        mínimo de regras de jogo: e instituições simples 
        e controladas pelos governos - até aqui não há problema 
        -no qual as regras de jogo são somente indicadores dos avanços 
        nas negociações, e que sua aplicação depende 
        da vontade de cada governo - "e aqui está o problema". Esta idéia da norma como "instrumento descartável" 
        se reflete na posição do fisco no caso "Cafés 
        La Virgínia" (1994), quando destaca que os compromissos da 
        Aíadi eram de caráter ético e não imperativo 
        e que, portanto, os acordos parciais celebrados dentro dela instituíam 
        mecanismos flexíveis onde os países podiam modificar, unilateralmente, 
        os benefícios negociados. Felizmente, a decisão da Corte 
        Suprema foi contrária a essa tese hiperpragmática. Ela implicaria 
        enviar aos mercados um sinal de que as regras são cumpridas quando 
        se pode. Se a realidade assim o requer, elas mudam. São de baixa 
        precisão jurídica: constam das atas, mas são pouco 
        claras e controversas. Em termos de relações de poder, ideais 
        para o mais forte. A outra posição é maximalista. Pretende orientar 
        a integração por intermédio de normas rígidas 
        custodiadas por instituições complexas, quase sempre inspiradas 
        em uma visão jurídica e simplista da construção' 
        européia - que não corresponde à realidade histórica 
        - e que recorre a conceitos confusos - como o da supranaciona-íidade 
        - que evocam transferências de responsabilidade para burocracias 
        irresponsáveis, desde o ponto de vista da institucionalização 
        democrática. Três funções devem ser cumpridas pelas instituições 
        que passam por um processo de integração voluntária 
        entre nações soberanas, como é o Mercosul, se quisermos 
        fortalecer a sua credibilidade e enviar sinais claros aos mercados com 
        relação à sua sustentabüidade a longo prazo. 
        A experiência histórica indica que a taxa de fracassos em 
        matéria de integração é elevada. Os investidores 
        estão cientes disso. Quase nunca se trata de fracassos abertos, 
        por exemplo, por intermédio da ruptura do vínculo associativo, 
        por um ou mais países, como ocorreu com o Chile e, mais recentemente, 
        com o Peru, no Grupo Andino. Ao contrario, na maioria das vezes, trate-se 
        de um deslizamento gradual do processo de integração' para 
        o palco da irrelevância política e econômica. O processo 
        de integração pode, inclusive, subsistir, mas deixa de ser 
        um instrumento de trabalho útil para os países-sócios. A primeira função é a de assegurar o acesso irrestrito 
        aos respectivos mercados dos sócios. Só a medida que o direito 
        a tal acesso esteja garantido jurisdicionaimente - por juridisção 
        arbitrai ou judicial - pode ser criado um quadro de previsibilidade para 
        o investidor, como quando, por exemplo, investe em um país membro 
        da União Européia ou do Nafta. A segunda é a de assegurar a preservação dinâmica 
        da reciprocidade de interesses que sustenta o vínculo associativo 
        entre os sócios do MercosuL Neste tipo de processo, os países 
        participam à medida que recebam mais lucros estando dentro do que 
        estando fora. Uni exemplo, novamente, é o caso do Chile e do Peru 
        no Pacto Andino. É a percepção de ganhos mútuos 
        o que explica a criação de um processo de integração 
        bem como a sua vitalidade posterior. Isto requer situar, dinamicamente, 
        os legítimos interesses nacionais e setoriais dentro de uma visão 
        de conjunto com sentido estratégico e de longo prazo jogo. A manutenção, 
        por muito tempo, de assimetrias artificiais pode distorcer as condições 
        da concorrência econômica entre os sócios, tanto a 
        nível comercial quanto de investimentos, e destruir, desta forma, 
        a legitimidade interna do próprio processo de integração. 
        Isto é mais sério se existe uma assimetria natural pronunciada 
        com relação ao tamanho dos respectivos mercados. É ao redor dessas três funções que o debate 
        institucional no Mercosul deve ser articulado. Na etapa iniciai, as instituições 
        existentes funcionaram relativamente bem. Tratava-se, sobretudo, de criar 
        interdependência onde predominava a margjna-lização 
        econômica relativa entre os sócios. Estamos entrando agora 
        - como conseqüência do próprio êxito do Mercosul 
        - em uma etapa mais difícil na qual, cada vez mais, o problema 
        será administrar esta interdependência, a fim de impedir 
        que a lógica da fragmentação termine superando a 
        da integração. Um- enfoque funcional, intermediário entre as posições 
        maximalistas e minimalistas, ao contrário, pode permitir centralizar 
        o necessário debate institucional em tomo das questões concretas 
        e essenciais à vitalidade e, inclusive, à sobrevivência 
        da integração como um projeto relevante para cada um dos 
        sócios e crível para os investidores. Nesta perspectiva, 
        nem o imobilismo minimalista (não é preciso mudar nada, 
        tudo está bem) nem o radicalismo maximalista (é preciso 
        mudar tudo, dando um salto em direção à complexas 
        estruturas jurídicas e institucionais) parecem ser a resposta conveniente. Segurança Jurídica, e institucionalização 
        da flexibilização O Mercosul está submetido a requerimentos que podem ser, mas não 
        necessariamente devem ser, contraditórios. Pelo contrário, 
        visando a encácia do processo de integração, precisamente 
        por ser voluntário e entre nações que ainda não 
        possuem um nível de estabilização econômica 
        satisfatória para as expectativas dos investidores, é necessário 
        que os governos estabeleçam um razoável equilíbrio 
        entre tais requerimentos. Um é o da segurança jurídica, expressa em regras 
        de jogo com alto potencial de efetividade, derivado da qualidade do processo 
        de criação normativa e das próprias normas, assim 
        como da sua sustentação política como conseqüência 
        da reciprocidade de interesses que expressam. O outro, é a necessária flexibilização dos 
        compromissos jurídicos, a fim de levar em consideração 
        a tripla dinâmica de transformação originada no contexto 
        internacional, nos processos internos de estabilização econômica 
        e transionnação prouUtxva , e no desenvolvimento das interações 
        econômicas entre os sócios, este último conseqüência, 
        em grande parte, do próprio êxito do Mercosul.
        No primeiro semestre de 1995, em parte como conseqüência do 
        denominado "efeito tequila", ficou evidente que a tensão 
        segurança jurídica/flexibilização será 
        uma das mais difíceis de resolver na evolução do 
        Mercosul. Situações deste tipo podem se repetir. Pelo menos 
        é isto o que pensam os mercados. Salientamos que possuir regras de jogo e instituições de 
        qualidade é crucial para o êxito do Mercosul. Elas condicionam 
        a sua eficácia, ou seja, a obtenção dos resultados 
        desejados. Contêm sinais para os mercados, que bem captados pelos 
        agentes econômicos, podem ser traduzidos nos comportamentos econômicos 
        desejados, como, por exemplo, aumentar o investimento produtivo em função 
        do espaço ampliado. Para isso, as regras de jogo devem ter duas qualidades: a transparência, 
        ou seja, um acesso fácil aos seus textos, o que se obtém 
        com a sua oportuna publicação no Boletim Oficial; e a clareza, 
        ou seja, um acesso fácil ao seu conteúdo e mensagem, p que 
        se obtêm com racionalidade econômica e precisão na 
        linguagem jurídica. Mas, como também já foi destacado, toma-se crucial um grau 
        razoável de previsão nas regras de jogo. Assim o requer, 
        naturalmente, um dos principais destinatários dos sinais do mercado, 
        enviados pelos governos desde que assinaram o Tratado de Assunção: 
        o investidor, disposto a correr riscos em função do amplo 
        mercado que lhe foi prometido. Um investidor pode compreender a necessidade da flexibilização 
        na aplicação dos instrumentos do Mercosul. Ela é 
        uma conseqüência natural da dinâmica econômica 
        internacional e interna de cada um dos sócios. O que não 
        pode compreender é a mudança imprevista das regras de jogo 
        devido a atos unilaterais arbitrários, mesmo quando sejam prontamente 
        legitimados pelos órgãos do Mercosul. Isto não afeta 
        somente a segurança jurídica. Podem ser afetados interesses 
        concretos dos que investiram respondendo a sinais governamentais. Mais 
        ainda, pode afetar a credibilidade de to ao o processo de integração 
        e das políticas econômicas dos sócios. Por isto, é importante pôr limites à tendência 
        de uma flexibilização instrumental "de fato" do 
        Mercosuí. Isto se consegue institucionalizando a flexibüizaclo. 
        É da essência de um processo voluntário de integração 
        econômica entre nações soberanas que preservam uma 
        ampla margem de liberdade de* ação, convencer os operadores 
        econômicos - internos e externos - de que os governos decidiram 
        limitar efetivamente a sua capaciaaae para atuar de forma unilateral e 
        discricionária naquelas matérias explicitamente submetidas 
        a uma disciplina coletiva. A idéia de institucionalizar a flexibilização é 
        ainda mais importante se levarmos em consideração que subsistem 
        fatores que podem incidir nas políticas macroeconômicas dos 
        sócios, por exemplo, em matéria cambial, gerando distorções, 
        algumas sérias, nas concorrências relativas entre os sócios. 
        É preferível antecipar este tipo de situação, 
        prevendo válvulas de escape de emergência que permitam adaptar 
        os compromissos por intermédio de procedimentos preestabelecidos, 
        que, por sua vez, preservem os interesses dos que investiram em função 
        da expectativa do mercado amadotadas. Os artigos n°s 22 e 25 do Acordo 
        de Complementação Econômica n° 14 entre a Argentina 
        e o Brasil, ainda em vigor, oferecem um precedente digno de consideração.Reflexões sobre dois casos concretos.
  O Mercosuí pressupõe que os sócios aceitaram, livremente 
        e de boa-fé, submeter-se às disciplinas comuns. Por vontade 
        própria, restringem a possibilidade de comportamentos unilaterais 
        contrários ao acordado e aos interesses comuns que justificam o 
        vínculo associativo estabelecido permanentemente. A- sua legitimidade 
        reside em uma visão de conjunto com interesses estratégicos, 
        de natureza política e econômica, e na preservação 
        dinâmica de um quadro de ganhos mútuos. A associação 
        não pode ficar entregue somente à relação 
        de força entre os sócios. Portanto, são estabelecidas 
        regras de jogo que os obrigam e que geram direitos e obrigações 
        para os seus cidadãos. Se não fosse assim, nenhum país 
        aceitaria participar livremente. Nesta perspectiva, localizam-se dois casos concretos no qual podemos 
        considerar que o que foi acordado não foi plenamente respeitado, 
        afora a compreensão que podemos ter devido às razões 
        políticas e econômicas que os explicam. Não são 
        os únicos casos, e podemos encontrar outros exemplos que envolvem 
        situações de des-cumprimento por parte de cada um dos quatro 
        sócios. Entretanto, são os casos que em jogo. O primeiro caso á o que pode ser denominado como o da segunda 
        crise automobilística do Mercosuí. A primeira ocorreu em 
        junho de 1995. Os dados são conhecidos: a Medida Provisória 
        n° 1532 do governo brasileiro estabelece incentivos para atrair investimentos 
        automobilísticos no Nordeste e em outras regiões. O seu 
        conteúdo não foi uma surpresa, já que ao menos desde 
        agosto de 1996 era visível que isto iria acontecer, no contexto 
        da negociação da reforma constitucional para a reeleição 
        presidencial. Importantes investimentos foram anunciados a partir de tais 
        incentivos. Isto também era conhecido. A medida provisória agrava um sério problema do Mercosuí, 
        que é o da assimetria de estímulos fiscais para os investimentos, 
        especialmente de competidores globais. Isto implica a possibilidade de 
        desnivelar o campo do jogo a favor, do país com maior capacidade 
        econômica para oferecer tais incentivos, que, além disso, 
        é o de maior mercado. Gera uma situação incompatível 
        com uma idéia centrai ao Mercosuí, que é o direito 
        que os sócios se outorgaram, reciprocamente, para o acesso irrestrito 
        aos seus mercados e para todo o universo tarifário. Um instrumento 
        ainda não em vigor, que é o Protocolo sobre Promoção 
        e Proteção de Investimentos de Estados Não-Participantes, 
        agravará ainda mais a situação, ao estabelecer que 
        "cada Estado-Participante promoverá, em seu território, 
        investimentos de Terceiros Estados...". Legaliza a concorrência 
        aberta na utilização de estímulos para a localização 
        de investimentos estrangeiros. De fato, a medida provisória estabelece um tratamento similar 
        ao das zonas francas para projetos do setor automobilístico. Institucionaliza 
        uma espécie de "projetos francos". É a partir 
        dessa realidade econômica que deve ser examinada a sua compatibilidade 
        com os compromissos assumidos no Mercosuí. Foi precisamente o Brasil 
        quem impulsionou a Decisão CMC n° 8/94 que estabelece, para 
        os produtos originados nas zonas francas, um tratamento similar ao que 
        recebem os de terceiros países. Várias decisões adotadas em Ouro Preto modificaram o Tratado 
        de Assunção, estabelecendo exceções aos seus 
        principais compromissos. São as que estabelecem o reeime de adequação, 
        a tarifa externa comum e a transição para o açúcar 
        e o setor automobilístico. De acordo com o artigo n° 53 do 
        Protocolo de Ouro Preto foram convalidadas. Mas não poderiam ser 
        modificadas ou ampliadas em sua vigência, a não ser por outro 
        instrumento jurídico similar, ou seja, um tratado. Devido ao seu 
        caráter excepcionai, a interpretação do seu alcance 
        deve ter um caráter restrito. A Decisão CMC n° 29/94 é a que estabelece o regime 
        de adequação no setor automobilísitico. Pelo qúe 
        já destacamos, tem força similar à de um tratado. 
        Ela prescreve que as partes deverão pôr em vigor, em Io de 
        janeiro do ano 2000, um Regime Comum Automobilísitico que. necessariamente, 
        deverá conter - entre outros eiementos o-- a ausência de 
        incentivos nacionais que distorçam a competidvi-dacie na região. Mesmo sendo um compromisso que faz referência ao futuro regime, 
        torna-se óbvio, em uma interpretação de boa fé 
        do seu conteúdo, que um sócio não pode, durante a 
        transição, estabelecer, sem consentimento cfos outros sócios, 
        incentivos que na prática corroam a eficácia da obrigação 
        assumida na Decisão CMC n° 29/94. Portanto, podemos perceber que devido ao alcance restritivo das exceções 
        que foram estabelecidas no Tratado de Assunção, em Ouro 
        Preto, e pelo estabelecido na Decisão CMC n° 29/94, a medida 
        provisória sobre incentivos aos investimentos automobilísticos 
        no Nordeste e em outras regiões do Brasil contém elementos 
        contrários aos compromissos assumidos no Mercosul, que, em nenhuma 
        hipótese, poderiam ter uma vigência superior a Io de janeiro 
        de 2000. Por analogia, os produtos originados a partir dos "projetos 
        francos" que forem autorizados- por esta medida deveriam ter um tratamento 
        similar ao previsto na citada Decisão CMC n° 8/94. Além de tudo, a medida provisória foi aprovada tendo em 
        conta que a Argentina e o Brasil haviam reconhecido em acordos bilaterais 
        assinados em dezembro de 1994 e depois, em janeiro de 1996, os seus respectivos 
        regimes automotores, tal como estavam vigentes naquele momento. Tal reconhecimento 
        implica que toda medida posterior que signifique introduzir novos incentivos 
        não pode ter validade entre ambos sócios, sem um expresso 
        reconhecimento adicional. Do contrário, estará sendo alterada 
        a balança de interesses recíprocos cristalizada nos acordos 
        biíaterias que, por sua vez, foram negociados a partir da Decisão 
        CMC n° 29/94. O segundo caso é o das restrições ao comércio 
        intra-Mercosul, originadas pela Medida Provisória n° 1569 do 
        governo do Brasil, que faz referência ao financiamento das importações. O que dizem as regras do jogo no Mercosul com relação às 
        restrições ao comércio? Uma regra é a do artigo 
        n° 2 do Anexo do Tratado. Introduz importantes definições 
        para o tratamento da questão. Distingue, por um lado, "gravarnes" 
        que são "os direitos aduaneiros e qualquer outros encargos 
        de efeitos equivalentes, sejam de caráter fiscal, monetário, 
        cambiaria ou de qualquer outra natureza, que incidam sobre o comércio 
        exterior". Por outro lado, as "restrições", 
        que são "qualquer medida de caráter administrativo, 
        financeiro, cambiário ou de qualquer outra natureza, mediante a 
        qual o Estado-participante impeça ou dificulte, por decisão 
        unilateral, o comércio recíproco. O texto é claro 
        e bem amplo. Mas a regra de jogo básica é a do artigo n° 5, letra 
        a, que, combinada com o artigo 1 do Anexo, estabelece o compromisso de 
        eliminar todas as restrições não-tarifárias 
        e demais restrições ao comércio recíproco, 
        até dia 31 de dezembro de 199-4. E complementada pelo artigo 7 
        do Tratado, que impede distinguir entre produtos nacionais e originários 
        ác Mercosul em matéria de impostos, taxas e outros' gravarnes 
        internos. A Decisão CMC n 3/94 flexibiliza este compromisso do Tratado? 
        Ela'tem urna redação confusa e de pouca qualidade jurídica: 
        nos autorizaria a pensar qüe podem subsistir algumas restrições 
        não-tarifárias além do período de transição. 
        O seu artigo 4 introduz uma regra ambígua que pode ser interpretada 
        de várias maneiras: "Até que não seja alcançada 
        a total harmonização das restrições não-tarifárias, 
        Os Estados-participantes se comprometem a não aplicar em seu comércio 
        recíproco, condições mais restritivas do que as vigentes 
        para o comércio interno e externo". Entretanto, de todas essas regras surge uma interpretação 
        clara: as únicas condições restritivas válidas 
        para o comércio recíproco, sejam elas de qualquer natureza, 
        "incluindo as cambiadas ou financeiras", são as que já 
        estavam vigentes e foram registradas. As novas deveriam ser registradas 
        pelo Grupo Mercado Comum para ter validade. "Quem estabelece as novas 
        condições com efeitos comerciais restritivos, não 
        aceitos pelos sócios, incorreria em descumprimento do que foi acordado". O que fazer quando são apresentadas situações como 
        as descritas para o setor automobilístico e para as restrições 
        ao comércio, tais como a mencionada medida provisória sobre 
        financiamento de importações, ou as medidas que ainda regem 
        o tema dos lubrificantes e dos produtos farmacêuticos? As regras do jogo apresentam várias vias de ação. 
        Pode-se recorrer à Comissão de Comércio, efetuar 
        consultas, negociar, procurar soluções que restabeleçam 
        o jogo de interesses entre os sócios. Também pode-se recorrer 
        ao mecanismo de solução de controvérsias vigentes 
        e que foi criado em 1991, pelo Protocolo de Brasília. É 
        o que normalmente ocorre no âmbito da OMC, do Nafta ou do acordo 
        Canadá-EUA.  Esgotada a etapa de consultas e negociações, ou como parte 
        dela, a via arbitrai é útil quando existem diferenças 
        e interpretações das regras de jogo. Demora algum tempo. 
        Mas é uma maneira civilizada de dirimir controvérsias comerciais. 
        Permite retirar dramaticidade à questão, encontrar soluções 
        racionais e fortalecer a credibilidade dos investidores nas regras do 
        jogo. Se, por exemplo, o Brasil considera que os incentivos, regionais aos 
        investimentos automobilísticos ou às restrições 
        ao financiamento de importações não constituem um 
        descumprimento ao que foi estabelecido, e se outro ou outros sócios 
        consideram que, ao contrário, constitui, eles podem recorrer - 
        sem prejuízo de continuar negociando - aos mecanismos que os próprios 
        sócios estabeleceram para situações desse tipo. Isto 
        não impede de encontrar uma solução antes da decisão 
        judiciai. Recorrer aos mecanismos para a solução de controvérsias 
        do Protocolo de Brasília, por parte dos países que se consideram 
        afetados pelo descumprimento do que foi acordado por um dos sócios 
        ou por parte de suas empresas, não só permitiria encontrar 
        respostas jurisdicionais às diferenças comerciais, mas também 
        fortaleceria a ima [...] |