| Vou referir-me a aspectos políticos da integração,  tema que, segundo creio, pode e deve ser tratado neste momento, aproveitando-se  a experiência de Madeleine quanto à integração ou a tentativas de integração  económica na América Latina e a mais de 30 anos de integração económica na  Europa. De algum modo, essa experiência nos permite agora  discorrer sobre os aspectos políticos da integração e, de algum modo, purificar  o tratamento do tema integração, retirando-lhe o véu dos falsos dilemas a que  se referiu Enrique Iglesias e também de falsas expectativas. Este esforço no sentido da análise dos aspectos  políticos da integração pode ser considerado algo intimamente associado a um  saudável esforço no sentido da política em geral, ou seja, no sentido de  desmistificar certos temas, para permitir que se chegue ao seu real valor. Falar de aspectos políticos é falar de poder, e é  sob essa ótica que iremos fazer nossa análise. O tema do poder, com relação à  integração, se situa pelo menos em dois níveis. Vou começar pelo primeiro  nível. Estou certo de que, com muito mais autoridade, Eduardo Fernandez poderá  falar do segundo. O primeiro nível diz respeito à integração e às  relações de poder entre Estados. É a ótica internacional. O segundo nível, de  grande importância, é o das relações de poder dentro do Estado, do impacto  político interno causado pelo compromisso de um país de participar de um  processo de integração. Ao falar do primeiro nível, reputo muito  importante inserir esta reflexão nos atuais quadros internacional e regional,  já que, no caso contrário, seria muito difícil, senão impossível, entender o  chamado processo de integração da América Lati- na e toda a revolução  conceituai e instrumental ocorrida nos últimos anos em torno do próprio  conceito de integração e dos meios através dos quais atingir a integração.  Esta revolução conceituai e instrumental, até  certo ponto, responde ãs mudanças operadas no quadro regional e internacional  onde se insere nossa força de integração latino-americana. Muitas das reflexões que farei são válidas para o  concerto e o tema da metodologia de integração económica de toda a América  Latina, porém não são totalmente válidas para as experiências sub-regionais.  Precisamente pelas características das sub-regiões, por suas dimensões, muitas  destas considerações não são totalmente válidas. Quanto ao quadro regional e internacional no qual  inserimos nossa análise, vamos apresentar um painel dos grandes fatos,  destacando aqueles que apresentem mais incidência nessa mudança conceituai e  instrumental. Eu indicaria, fundamentalmente, três grandes fatos  que considero importantes. Em primeiro lugar, é que estamos vivendo, desde há  alguns anos, uma profunda cnse de redistribuição do poder mundial, crise esta  que existe na essência da atual situação política e económica internacional, e  que produz pelo menos três efeitos talvez interessantes para nossa análise. Em primeiro lugar - consta de um trabalho recente  de Celso Lafer - há vários anos se observa, e de forma crescente, uma separação  entre a ordem internacional, isto é, os princípios, os mecanismos, os valores,  as normas que, de algum modo, resultaram das relações internacionais do período  pós-guerra, e o poder, isto é, o modelo de distribuição do poder internacional.  Está em crise de legitimidade determinado órgão internacional; está em processo  de busca daquilo que se pode definir como uma nova ordem política e económica  internacional, que não será, por certo, o resultado de decisões que se possam  adotar no plano formal, porém da nova distribuição do poder internacional. A  crise de legitimidade, não só de princípios, de valores, mas de ideias advindas  do período posterior à li Guerra Mundial, também causa impacto nas ideias que  penetraram na América Latina nesse período e que precederam, de algum modo, o  desenvolvimento das relações de cooperação e integração da região durante a  década de 60 e boa parte dos anos 70. O segundo efeito que acredito importante no que  concerne à crise de distribuição do poder é que ela cria mais espaços políticos  para os países - em particular os países em desenvolvimento - se movimentarem  no sistema internacional, aproveitando, em parte, contradições internas muito  agudas ocorridas no segmento norte do sistema internacional e que não são  produto de um confronto industrial e tecnológico entre os grandes centros de  poder económico mundial. Esse espaço se observa, por exemplo, no que diz  respeito à capacidade de adquirir processos tecnológicos, inclusive em  avançados setores do desenvolvimento económico e científico de nossos países.  Esse maior espaço produz, por sua vez, um efeito:  o de acentuar a multiplicidade de alternativas no âmbito do sistema internacional  - multiplicidade de opções. Portanto, a multiplicidade de afinidades pode ser  adquirida nos diferentes clubes do sistema internacional. O sistema tolera-o,  porque não pode evitá-lo. Talvez as grandes potências desejem evitá-lo e voltar  ao mundo bipolar, em que a definição de ideia de adversário se apresentava de  forma muito evidente. Ora, a possibilidade de multiplicidade de afinidades  internacionais causa impacto também no desenvolvimento das relações de  integração e cooperação na América Latina, já que esta nova situação  internacional cria para nossos países a possibilidade e, em certos momentos, a  necessidade de ampliar ao máximo suas aquisições no sistema internacional, sem  afiliar-se a clube algum. Assim, há países de nossa região que jogam simultaneamente,  e de forma legítima, em diversos tabuleiros do xadrez internacional, porque,  desse modo, podem, por um lado, tirar mais proveito dos efeitos da crise, ou,  por outro, defender-se melhor, caso a crise lhes  cause problemas de sobrevivência política ou económica.      O terceiro efeito é - e está ligado ao que acabo  de dizer - que toda esta crise aumentou, para nossos países, o desafio do  exterior, e, em geral, questionou, em alguns casos, não tanto a sobrevivência  como unidade autónoma do sistema internacional, porém a viabilidade de projetos  nacionais, em termos políticos e económicos. Na verdade, a crise de energia é  visível em muitos de nossos países. Isso cria um instinto de sobrevivência e  obriga-nos a privilegiar, acima de tudo, as medidas a tomar para nos  defendermos dos efeitos da crise, o que motiva o comportamento dos países, a  curto prazo. Num momento de crise, os países se preocupam mais - e devem e  precisam preocupar-se mais - com os problemas de sobrevivência a curto prazo.  Isto influi, portanto, sobre as relações de integração e cooperação, pois os governos  têm muito mais dificuldades em apor suas assinaturas a convénios que estabeleçam  programas relativamente rígidos - ou considerados rígidos, seja por esse  contexto internacional, seja pelas consequências do contexto internacional que  predeterminem, em prazos e metas, o comportamento das relações recíprocas entre  grupos ou países durante um prolongado número de anos. Compromissos desse tipo  eram assumidos, nos anos 50 ou 60, entre os países das comunidades europeias.  Não estou fazendo juízo de valor. Talvez as coisas não sejam exatamente assim.  Estou simplesmente dizendo que, neste momento, é muito difícil que um governo  assuma juridicamente um compromisso que o obrigue, por exemplo, a certas responsabilidades  daqui a 5 ou 10 anos. O segundo grande fato do quadro internacional que  desejo referir - neste caso, do quadro regional - e que é relevante para a  análise política da integração, é o que eu chamaria a perda de marginalidade da  região para cada um de nossos países, ou, dizendo de outra maneira, a  revalorização da região para cada um de nossos países, em função de seu  desenvolvimento, em função de sua participação internacional, em função de sua  melhor defesa diante da crise internacional. Essa revalorização se mede em  termos de mercados, quer dizer, da escassez dos mercados. Sendo os mercados  mundiais fator escasso, isso fará valorizar os mercados regionais de recursos  naturais - o petróleo, por certo, mas não exclusivamente - e a região como  fonte de modelos. Temo-nos acostumado, nos últimos anos, a modelos oriundos de  outros países. Agora, volvemos os olhos a outros modelos económicos e políticos.  Somos muito mais permeáveis aos modelos regionais. Não podemos, portanto, ser  indiferentes ã sorte dos modelos regionais. Do ponto de vista da vida  económica, precisamente como consequência da crise económica internacional, a  região, de algum modo, é considerada um espaço de segurança económica que  permitirá a sobrevivência, a longo prazo, de comunidades importantes do sistema  internacional de nossos países. Todas essas são razões de integração  latino-americana, porém uma integração que não se explica apenas como resposta  ã situação internacional e não se mede pelo aumento ocorrido no comércio, uma  integração que responde a forças profundas que, em minha opinião, vão continuar  apelando, nos próximos anos. Mesmo que não façamos absolutamente nada para que  haja mais integração na América Latina, vai haver. Haverá mais comércio, mais  gente na tecnologia, mais gente nas divisas de capital, mais troca de ideias,  mais circulação de pessoas, em parte por ter surgido um mercado  latino-americano, mas em parte surgiu um mercado latino-americano porque surgiu  ou se acentuou o desenvolvimento dos países médios da região, os quais se  transformaram em demandantes de bens e serviços que podem ser fornecidos entre  outros, pelos países maiores, mais industrializados da região, e também por  outros que não são da região, mas que têm profundo interesse na região, por motivos  culturais, políticos e por certo económicos. Esse fator que creio se vai inserindo - o  aparecimento de um poder de compra regional nos países médios, fundamentalmente  os andinos - é um fator geral básico que quero detectar deste quadro  internacional e regional, por seu efeito na integração latino-americana, que é  o da mudança da distribuição do poder relativo dentro da região.  Se tomarmos o que significaram a Argentina, o  Brasil, o Chile e o Uruguai, em termos de comércio inter-regional, na década de  50, ou do Produto Internacional Bruto, e compararmos com o que significam em  1980, observaremos que realmente houve uma mudança no peso relativo dos  diferentes países que compõem a região. Houve quase uma reacomodação das cargas  regionais e das possibilidades regionais. Creio que dois fatores incidiram e vão continuar  incidindo na mudança na distribuição do poder regional. Esses dois fatores são,  em minha opinião, o fator petróleo e o fator andino, e estão, em parte,  vinculados. Seria, porém, erro grosseiro supor que o Grupo Andino se explica  apenas pela capacidade de produção e exportação de petróleo da Venezuela, do  Equador, inclusive do Peru, e por certo, da Colômbia, da Bolívia. Em geral,  todos os países andinos estão em boa situação no que concerne à energia.  O fator petróleo e o fato de pelo menos três  países da região permanecerem em torno do petróleo, produziu e vai continuar  produzindo seu efeito, não só na distribuição do poder relativo da região, como  também na forma utilizada pelos países da região. Esses três países que giram  em torno do petróleo, em suas decisões nacionais, e que não podem prescindir do  fator petróleo, por motivos diferentes, são México, Venezuela e Brasil, dois  deles porque lhes sobra, um deles porque lhe falta. O fator andino inseriu-se na distribuição do poder  relativo da região não tanto pela existência do andino. Talvez o andino se explique  precisamente porque se produziu mais desenvolvimento e tomada de consciência do  poder relativo em vários países andinos. Quer dizer que o andino tem mais peso  porque os países que o compõem têm mais peso. Isso, por um lado; por outro  lado, é certo que desde o próprio início da profunda adesão política ocorrida,  em certo momento, Eduardo Frei e Carlos Veras Restrepo compreenderam que o andino  era uma forma de aumentar seu poder de negociação na região, e o reconheceram  no dia em que, em 1969, em junho, na ALALC, conseguiram "forçar a  mão" de vários de nossos países para obter uma declaração de  compatibilidade. Eles aprenderam que tinham poder de negociação e desde então  passaram a exercê-lo. Isso não implica, por sua vez, juízo de valor  sobre se o andino está agindo mal. Por outro lado, este não é um assunto que  diga respeito à política. Esse é outro problema, qual seja, a análise política.  O andino é um fato. O importante é que o andino reconheça e seja reconhecido  como interlocutor válido pela Comunidade Económica Europeia, pelos Estados  Unidos, pelos países maiores da América Latina. A Argentina desde o início deu  seu apoio ao Grupo Andino, por considerar que realmente o Grupo Andino  representava uma nova realidade de poder na região. Na Nicarágua, por ocasião da queda de Somoza, o  Grupo Andino teve oportunidade de mostrar que se havia transformado em fato  político. Um tema que seria preciso debater é o fato de se  pensar que o andino não era antes um projeto político, mas agora o é. O andino  sempre foi um projeto político, porque seria inimaginável um processo de  integração que não fosse concebido como projeto político, mesmo que a ênfase esteja  colocada, no primeiro momento, no económico, como método de acrescentar poder  político dentro da região, em relação aos países do mundo industrializado, e  num segundo momento, especialmente no período da Resolução 24.  Este quadro internacional e regional, apresentado  sem grandes acontecimentos, é completamente diferente do que existia nos anos  60. Apesar disso, explica as mudanças conceituais e instrumentais que se estão  verificando em torno do tema da integração.  Quero referir-me muito rapidamente à mudança do  próprio conceito de integração definido quanto ao objetivo a alcançar - o objetivo  político - e, em seguida, à mudança quanto à metodologia. Com referência ao próprio conceito de integração,  nos anos 60 estava muito ligado à ideia de união económica, de união política,  e refletia o estado de conhecimento e de evolução das relações de integração na  América Latina e no resto do mundo, em particular na Europa. É lógico que se  apresentasse dessa maneira. Hoje em dia - é talvez uma interpretação pessoal  que me vem quando vejo que todo o mundo fala de integração - a integração é  algo que, no fundo pareceria igual para todo o mundo, porém cabe observar que  quem fala em integração está imaginando coisas diferentes. É muito difícil  haver quem fale contra a integração: os governos se declaram a favor da  integração. Encontra-se quem fale mal da integração, mas não sabe se se está  dando à palavra a mesma acepção. E qual seria o denominador comum de todas as  acepções da palavra integração, sobretudo quando é utilizada por pessoas  responsáveis, pelos estadistas, pelos políticos, pelos governos, pelos técnicos?  Imagino até que ponto não se está pensando da mesma maneira como se pensava e  que de algum modo gerava o primeiro processo de integração consensual da História  Contemporânea, que é a integração europeia. Creio que muitas vezes os  integradores europeus pensaram fundamentalmente numa nova federação europeia,  nos Estados Unidos da Europa. Isto foi, indubitavelmente, parte da luta política  e da apresentação, ante a opinião pública, da legitimação política da ideia de  integração. Observando de modo mais profundo, nós nos damos conta de que o que  estava presente era a ideia de que há outra América Latina, a atual. Havia-se  chegado, na Europa, a um nível muito alto de interdependência. Acredito,  inclusive, que o atual nível de interdependência na América Latina e inferior  ao existente na Europa antes dos anos 50. Esquece-se - é elementar, mas  esquece-se - que interdependência não é sinónimo de integração. A interdependência  pode ser e é ambivalente, de hábito, já que, com todas as relações sociais, tem  elementos de conflito e de cooperação. O que aconteceu na Europa foi que a  interdependência havia sido essencialmente conflitante, e creio que o gesto  político genial de Mollet, dos anos 50, foi encontrar uma metodologia que se  adaptasse ao destino político negativo da interdependência europeia. Se V.  Exas. forem à essência do pensamento de Mollet, no Plano Schuman e no memorando  que precede o Plano Schuman, encontrarão a famosa frase "reverter à  tendência secular para o conflito", e ela se encontra no memorando, num  tema que Mollet apresenta de um rnodo, apresenta-a de outro modo outro génio,  que foi De Gaulle, que é o do papel histórico da Europa diante das duas grandes  hegemonias. Era necessário reverter ã tendência secular para o conflito,  construindo com uma metodologia que gera - era o pensamento de Mollet - um só  acordo de interesses, a fim de assegurar um papel histórico à Europa ante a  emergência das duas grandes hegemonias. De algum modo, penso que o político  latino-americano percebe os perigos pelo faro, capta que o nível de  interdependência a que já chegou a América Latina tanto pode ser fonte de  cooperação como fonte de conflito. Nada mais perigoso para a saúde de  determinado sistema internacional, como o latino-americano, por exemplo, que um  excesso de interesse pelo mercado, pelos recursos naturais, pelo que a região  possua de valor. Isso pode levar tanto ao conflito como, se inserido em outro  espírito, em outra visão de conjunto, a um sistema de interdependência  essencialmente cooperativo.  Em última instância, o denominador comum dos  diferentes usos da palavra integração, sobretudo nos meios políticos, é o  repúdio à ideia de desintegração da região, é a decisão de que, de algum modo,  através da metodologia mais acertada, é necessário dar um cunho  predominantemente cooperativo à interdependência latino-americana e repudiar  historicamente a possibilidade de fragmentação da região. Esta ideia de integração do mínimo, associada à de  independência cooperativa, torna compreensível todo o debate político em torno  da integração atualmente vigente na região. E, conforme esta ideia, cabem, em  particular para suas regiões, os conceitos e as instrumentalizações das  integrações do máximo, associadas ao conceito mais clássico de integração  económica e inclusive de integração política. Quanto às mudanças na metodologia, pensa-se que,  durante os primeiros 20 anos de integração, a metodologia estava muito centrada  nos processos formais de integração. Isto em parte é certo, em parte, não. Em  parte é certo porque, na instrumentação jurídica da integração, havia dois ou  três processos que supunham que, de algum modo linear, chegaríamos, algum dia,  à integração económica, associados às fórmulas clássicas de integração  económica - zonas livres de comércio, união aduaneira etc. Em parte isto não é  certo, porque a realidade logo começou a mostrar que os países não se limitavam  a essa proteção jurídica que foi preciso ado-tar nos anos 60, em grande parte  pelo fator prejudicial em que se constituía o artigo 24 do GATT, segundo o  qual, a fim de ajustar-se às imposições do GATT, um convénio de integração, de  tratamento preferencial entre países em desenvolvimento, teria de adotar a  fórmula de zonas de livre comércio e de união aduaneira. Esse processo, na  realidade ilegal, culmina com a renovação jurídica que significa, por um lado,  a criação do SELA, no multilateral, e, por outro lado, a reestruturação da  ALALC em ALADI. Essa  reestruturação, por sua vez, significa legalizar o que estava sendo feito sob  forma de contrabando; significa transformar em oficial o que se estava fazendo  em paralelo; significa, utilizando uma expressão comum em nosso pais, pelo  menos, "blanquear" - limpar - a integração paralela, oficializá-la.  Se retrocedêssemos aos anos 60, entretanto,  verificaríamos que, naquela épo ca, os que pensavam na integração da América Latina  já sabiam que, no que concerne à metodologia, o caminho que estamos seguindo  agora era o caminho certo. Quero citar dois grandes estadistas do meu pais  que, embora muitas vezes com pontos de vista opostos, muito influíram na integração  económica da América Latina. Um deles é Prebisch. Se analisarmos o pensamento  de Prebisch sobre a preferência latino-americana, expresso num excelente artigo  publicado por Germânico Savión, na revista CEPAL, faz dois anos, verificaremos  que o pensamento da CE-PAL, com relação ao sistema de preferência  latino-americano, tem muito mais que ver com o que hoje em dia é a ALADI do que  com o que foi a ALALC, que, definitivamente, sofreu, entre sua criação e sua  realização final, o prejuízo que isso significou, como eu disse antes, e terão  de adaptá-la às necessidades do GATT. Outro estadista é Frondizi, que, como Presidente  eleito da Argentina, pronunciou três discursos simbólicos, em lugares também  simbólicos: no Rio, em Montevideo e em Santiago. Creio  que este tema está presente nos três discursos, mas sobretudo o de Santiago  apresenta toda uma filosofia sobre o porquê e o como da ideia de integração  latino-americana, uma visão política da realização dessa integração e de sua  metodologia. Se analisarmos a metodologia que hoje em dia se aplica, seja com o  SELA, seja com a ALADI, com os acordos bilaterais, com a integração por projetos,  veremos, nessas quatro ou cinco páginas dedicadas ao tema da integração, que o  pensamento de Frondizi corresponde ao que neste momento está ocorrendo na  realidade da integração latino-americana. Estou querendo dizer, com estes dois exemplos, que  os que pensaram, nos anos 60, na integração da América Latina não estavam muito  longe - ao contrário - da forma que hoje em dia se vem desenvolvendo ou se  pensa em desenvolver nesse sentido. O que acontece é que, nesse ínterim, aprendemos  e estamos de volta a caminhos que muitas vezes seguimos, como no caso do  Tratado de Montevideu, porque fatores externos de algum modo nos obrigam a segui-los,  mas, além disso, porque o quadro internacional que antes mencionei de alguma  maneira está possibilitando algo que, naquele momento, não era tão viável  quanto o é agora. O tempo começa a faltar-me, mas desejo ainda  assinalar que, nesta mudança de tecnologia e nesta aceitação da multiplicidade  de meios para levar adiante a integração, é necessário ter em conta dois  aspectos que não podem deixar de ser considerados. O primeiro aspecto é  aprofundar a ideia da preferência latino-americana - é o tema da ALADI, que, eu  diria, está potencialmente exposto - è aprofundar a ideia de preferência  latino-americana, não somente no sentido de preferência comercial, senão no da  racionalidade económica e a política, de um tratamento diferencial no económico  e no político, entre os latino-americanos, o porquê, até aonde, com que  limites, já que não esquecemos o que ficou assinalado antes, a multiplicidade  de acepções, de abertura de nossas raízes de relações internacionais. Aprofundar a ideia de preferência latino-americana  é um tema que me parece fundamental. Todo o mundo se organizou em áreas  preferenciais. A comunidade amplia, através de seus mecanismos, a ideia de uma  preferência comunitária vertical. Este é um tema pendente na América Latina.  Está incipiente em compromissos multilaterais. É preciso aprofundá-lo. O segundo tema, que, de certo modo, foi mencionado  na brilhante exposição do Ministro Saraiva Guerreiro, na sessão inaugural deste  Seminário, ê o tema da visão de conjunto, de conseguir e manter uma visão de  conjunto. Pela multiplicidade de meios, isso pode ser, em determinado momento, contraditório  à ideia de uma interdependência administravel, e pode levar, sem que se queira,  a uma fragmentação, a uma dispersão, a uma luta para ver quem faz o melhor e  mais rápido convenio bilateral. Se tudo isso não se insere numa visão de conjunto,  é uma visão que deve ser politica, que deve ser histórica, que deve ser global,  que deve aprofundar as raízes culturais da visão de conjunto latino-americana. Apesar de termos mais flexibilidade, mais multiplicidade  de meios, mais realismo etc, corremos o risco de os resultados serem negativos  como se não tivéssemos todo este instrumental operativo em nossa região. Eu queria falar muito rapidamente da relação entre  o Estado nacional e integração. Trata-se simplesmente de apontar duas ou três  ideias que são parte do debate político da integração em nossos países e também  do debate político da integração nos últimos dez anos. São ideias que surgem da  experiência, e não só da experiência da América Latina, mas da experiência  histórica de outras regiões. Em primeiro lugar, não devemos esquecer uma lei de  ferro em assuntos políticos e de política internacional. Podemos chamá-la o  principio da função supletiva dos mecanismos internacionais. Na prática, um  país combina fazer algo com outro, ou combina fazer algo recorrendo a  mecanismos internacionais, quando for absolutamente indispensável. Muitas vezes  trabalhamos com a ideia oposta, de que o racional ou normal é o multilateral e  de que só os organismos internacionais permitem aos nacionais resolver  problemas globais, inclusive da humanidade, não só das regiões. Isso talvez  esteja certo no campo teórico. No comportamento político concreto, a  experiência nos mostra que os países aplicam o princípio da função supletiva, e  se não o fazem quanto aos textos políticos, fazem-no na prática, transformando  os textos políticos numa expressão de cinismo legislativo ou de utopia  legislativa. Sem dúvida, a realidade se encarrega de colocar as coisas em seus  lugares. O segundo ponto a levar em conta é que nenhum  país, nenhum político, nenhum estadista concordará em ceder, em matéria de  poder e em matéria de controle de interesses nacionais. Não quer isso dizer que  não seja viável a integração formal no estilo Comunidade Económica Europeia ou  do Grupo Andino, ou que não sejam viáveis os pactos internacionais. Isso  significa que um país procurará fazer com que, na letra ou no espírito dos  fatos, o que se decide e o que se aplica responda ao seu interesse nacional, o  que faz com que a ideia vinda da relação Estado ou nação-integração ou pacto de  integração possa resolver-se, na prática, na medida em que se aplique a fórmula  que tão bem aplicou Mollet, desde o começo, na integração europeia, e que é a  fórmula de concertar os interesses nacionais e a mecânica, razão de ser dos  mecanismos institucionais de integração, de concertar, em todo momento, as  decisões, de maneira que respondam realmente aos interesses nacionais, isto é,  de maneira tal que a reciprocidade de interesses que justificou o pacto inicial  se mantenha através do tempo.  No momento em que se fere a reciprocidade de  interesses - demonstrou-o De Gaulle na crise de 65, e também nós tivemos experiência  na América Latina - o país, com o desequilíbrio produziu na reciprocidade de  interesses, termina bloqueando o processo de integração ou retirando-se dele.  Estes são comportamentos concretos, seja qual for o juízo de valor que se possa  fazer deles. Daí por que - e é o último ponto a abordar, com  referência a este aspecto - jamais acreditei na supranacionalidade. Para mim, a  supranacionalidade não existe, é um conceito equívoco, erróneo, do ponto de  vista jurídico, pelo menos na acepção que lhe foi dada, e não existe nem  existiu nenhum mecanismo institucional e político, no processo de integração  contemporâneo, que responda ao que se pensa que possa ser uma fórmula de  supranacionalidade. E por supranacionalidade se entende ceder competência,  ceder poder ao órgão que esteja acima dos Estados para dar um passo muito além  da federalização política. Digo que isto não existe nem existiu no processo  contemporâneo de integração, porque os Estados mantiveram dois fatores que são  a negação da supranacionalidade entendida desta forma, isto é, o direito de  secessão e o monopólio da coerção. Esta, a essência, em última instância, da  política que os Estados mantêm: "Nada se faz se não estou de acordo."  Esta a fórmula que, na prática, os Estados aplicam. Por isso, a  supranacionalidade é um processo equívoco que criou uma imagem equivoca e gerou  um debate que foi profundo, mas que, hoje em dia, é necessário rever, partindo  de uma definição correia do que são as relações políticas e institucionais  entre os órgãos de integração e os Estados nacionais. Imagino que sejam  relações - para usar uma analogia do Direito Comercial - como a criação, por  parte dos Estados, de uma filial conjunta para executar tarefas específicas. O  problema é que, muitas vezes, os gerentes da filial conjunta se esquecem de que  se trata de uma filial conjunta e acreditam que os Estados criaram uma  sociedade de sociedades, um holding que determina o que fazem as sociedades  filiais. Creio que esta figura permite ilustrar a realidade  da relação correta entre Estado nacional e organismo de integração e permite -  demonstrou-o Halsten, a Comissão Halsten, em sua crise de 1965 - ilustrar  algumas tentações que possam ter os tecnocratas apátridas, irresponsáveis, que  estavam em contradição, porque jamais foram totalmente tecnocratas, nem  apátridas, nem irresponsáveis, com a tentação de criar uma sociedade holding,  um organismo supranacional. Ao terminar, Sr. Presidente, deixo aqui um tema  que será talvez retomado por Eduardo Fernandes, o tema da integração e da política  interna. Imagino temas como o da transferência'da estabilidade nacional para os  processos de integração; a integração como forma de limitar as radicalizações  políticas internas, casos europeus interessantes, como o da Espanha, por  exemplo, o modo como a política espanhola foi influenciada pela necessidade de  adaptar-se ao tempo político e económico das comunidades. Isso também ocorreu  na América Latina. É mau gosto de empregos. Duas conclusões, também políticas: primeiro, creio  que estamos ante uma nova forma de conceber as relações económicas dos países  latino-americanos, que apresentam um desafio intelectual e político  interessante, capaz de influir muito em outro tema da política interna de  integração - a motivação, a política básica de integração. Muitas vezes, surgem  convénios interessantes que não se revestem de aparências politicas que os  tornem atraentes. Falta-Ihes mística. As pessoas da década de 60 sabiam dar  mais mística às ideias, que ora se apresentam sem a roupagem política. Sua  retórica não penetra na opinião pública. Uma forma de dar entidade política aos  esforços de associação para o desenvolvimento dos países latino-americanos - e  efetivamente é disso que falamos quando falamos em integração - é apresentar o  tema de que a América Latina, pelo menos no campo de que estamos tratando, que  é o da ótica internacional, tem uma grande oportunidade de demonstrar que algo  que não foi possível em outras regiões é possível na América Latina, isto ê,  relações entre Estados desiguais sob modelos distintos daqueles que caracterizam  as relações Norte-Sul. Este é um tema apaixonante, porque, às vezes, as  contradições são demasiadamente evidentes entre nossa atitude diante do mundo  do Norte e nossa atitude diante do mundo do Sul, uma vez que estamos dentro do  mundo do Sul. Não se trata de problema nem de filantropia nem de justiça internacional  que seja importante considerar por se estar fazendo uma análise do poder  trata-se da coerência ideológica e estratégica da região ante os países  industrializados e de demonstrar na prática a possibilidade de encontrar  modelos de relações entre Estados desiguais que sejam viáveis e que tendam, a  médio e longo prazo, a alterar, dentro do factível, as desigualdades. E um  tema. A segunda conclusão é que creio que a experiência  dos anos de integração latino-americana nos leva a pensar que é necessário  resistir, rechaçar, defender-se, entre outras, de três tentações que não são  funcionais a esta ideia de interdependência administrável latino-americana, não  são funcionais ao quadro internacional atual, nem são funcionais, inclusive, a  nossas realidades políticas internas, eu diria. A primeira tentação é a tentação da solidão, em  muitas manifestações. Pode ser uma solidão defensiva, pode ser uma solidão de  gueto - encerro-me para defender-me - pode ser uma solidão pretensiosa - não  necessito do resto. O mundo atual não tolera solidões. Houve uma escolha  política importante para a integração europeia, e 30 anos depois, surgiram duas  coisas que demonstram o génio político de Mollet e de.Schuman, e logo que foi  recusada, para se adotar a linha francesa: a tendência secular ao conflito  sofreu reversão, e seria inimaginável, inclusive neste momento, um conflito na  Europa Ocidental, e isso se transformou numa espécie de elemento de garantia de  estabilidade, pelo menos do mundo industrializado. A segunda coisa que se conseguiu foi dar à Europa  um lugar importante na política internacional, como consequência da crise internacional,  entre as duas grandes potências, e importante pelo crescimento das lideranças  políticas legítimas, fortes e imaginativas na França e na Alemanha. O paradoxo  histórico da integração europeia é realmente apaixonante. A segunda tentação a que é preciso resistir é a  das Santas Alianças, de bons ou de maus, de democratas ou de autoritários, de menos  democratas ou de mais democratas, de menos autoritários, seja qual for a  mistura para justificar ou legitimar as Santas Alianças. Creio que os convénios multilaterais firmados  recentemente - de um lado o SELA, de outro, a ALADI - não só reconhecem como  simbolizam a factibílidade de uma visão de conjunto dentro de uma  heterogeneidade política e ideológica latino-americana. A terceira tentação - e com esta termino, Sr.  Presidente - é a tentação das mistificações. Termino com o assunto com o qual  comecei, quer dizer, com o fato de se atribuir ã integração mais do que a  integração pode dar, seja de positivo, seja de negativo. É a ambição  westemiana, a ambição do Western americano, que uma integração económica da  América Latina deve, hoje em dia, ser superada politicamente, para que se  chegue ã hora da verdade em matéria de integração. |